sábado, 28 de fevereiro de 2015

Má fé é tentar macular o título da Beija-Flor

Na última quarta-feira de cinzas a Beija-Flor conquistou seu décimo terceiro título no carnaval carioca. No hard news (jornalismo que cobre apenas os fatos que acabam de acontecer) convencional essa seria a manchete, sem grandes detalhes. Mas achei impressionante ver como a própria essência do hard news foi quebrada na cobertura da apuração do carnaval.
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Absolutamente todos os veículos de comunicação (sejam eles da TV, do rádio, impressos ou da internet) deram como destaque o enredo sobre um país ditatorial, que foi financiado pela ditadura local. Ninguém falou que nos últimos treze anos a Beija-Flor ganhou mais da metade dos títulos, por exemplo. Se um é notícia, o outro também é. Mas tudo bem, deixemos essa passar. 
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O que vem por aqui é uma análise mais carnavalesca que o que costumamos ver. Hoje em dia, por conta da cobertura patética da Rede Globo de Televisão, criou-se uma geração que não busca informação nenhuma e fica presa nos seus achismos. Apesar disso, quero deixar bem claro que fui contra desde o começo do enredo sobre Guiné Equatorial (não só pela ditadura, mas também por não achar que daria um enredo interessante - me enganei nesse segundo, assumo) e também que repudio as palavras de Neguinho da Beija-Flor, que agradeceu à contravenção no carnaval. Até lendas tem seus dias infelizes.
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Mas... vi muita gente contestar o título da escola de Nilópolis. Mais do que isso: vi muitos desrespeitarem a escola e a chamaram de ladra, falarem que ela não merecia o título, que ela só ganha roubado e afins. Puro choro de mau perdedor. 
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O carnaval de 2015 não teve um favorito destacado. Todas as escolas tiveram ao menos algum erro, o que colocou muitas em condição de igualdade. A minha favorita, por exemplo, foi a União da Ilha - que, aliás, foi sumariamente assaltada na apuração. Mas creio que os nomes que mais ouvi para ser campeã foram os de Portela, Salgueiro, Unidos da Tijuca e... Beija-Flor. Como um título pode ser contestado se a escola estava no bolo principal desde sempre? Falar com o resultado na mão é fácil.
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Mas, novamente, tudo bem. Se querem falar de injustiças, vamos lá:
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Começando pela apuração desse ano: todos diziam que o Salgueiro já começava em desvantagem por conta de seu samba-enredo, que estava abaixo da média. Eis que o samba salgueirense não perde nenhum décimo enquanto o da Beija-Flor, aclamado por todos, não ganha a nota máxima. A vermelho-e-branca, que teve que acelerar o passo no final do desfile, perdeu apenas um décimo em Evolução. Mais: a bateria da Imperatriz Leopoldinense, que desfilou com um seríssimo problema nos surdos de terceira (a péssima afinação era perceptível até mesmo no áudio da TV), teve notas melhores que a da União da Ilha, que passou muito bem na estreia de Mestre Ciça. É óbvio que os jurados erram, mas eles também beneficiam outras escolas. 
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Também não vejo ninguém relembrando e a calamitosa apuração do ano passado. Não foi só o injustíssimo rebaixamento da Império da Tijuca que chocou. Após os desfiles, era perceptível que quem disputaria o título seriam Portela, Beija-Flor e Unidos da Tijuca - nessa ordem. O Pavão venceu, a Águia ficou em terceiro e a Beija-Flor... em sétimo. Como uma favorita fica em sétimo lugar? Com pressão, apenas. A escola nilopolitana foi muito contestada por falar de Boni - uma escola já tida como antipática falando de alguém da Globo resultou nisso. O desfile, que poderia tranquilamente ser campeão (apesar de seus erros), foi canetado até dizer chega. Nada me tira da cabeça que os jurados tiveram medo da dar notas altas para a escola. Venceu quem levou um carro que deu problema logo na comissão-de-frente - e que, por ter um enredo popularíssimo, não teve resistência nenhuma de quem julgava.
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Por fim: querem realmente falar de injustiça? Que tal, então, a Imperatriz dividir o título de 1989 com a Beija-Flor? E que tal a escola de Ramos dar o título de 2001 para a Deusa da Passarela, já que ninguém entende até hoje como a escola nilopolitana foi vice-campeã naquele ano?
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Chega de carnaval. Falemos agora de algo que os imbecis que se transformam em comentaristas de meia pataca de qualquer coisa sazonalmente são experts: analisar profundamente a história, a sociedade, a política e tudo que possa interessar e servir de crítica - tudo isso em profundas pesquisas no Google que duram cerca de oito minutos.
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Guiné não é só a ditadura. Como tudo que possa existir, o país tem muita história. Desde o descobrimento com Fernão do Pó (antes mesmo do descobrimento do Brasil) temos o petróleo, os diamantes, as influências culturais de França, Inglaterra e Espanha (tanto que é, em toda a África, o único país a falar castelhano), o catolicismo animista e as etnias Fang e Bubi. Você realmente acha que tudo isso no meio do continente que é o Espelho do Mundo não dá samba nem é interessante?
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Também repercutiu bastante o patrocínio do governo de um país majoritariamente miserável ao desfile. Eis que, bem, o governo de lá não tem nada a ver com isso. Quem patrocinou o carnaval da Beija-Flor foram empresas e mecenas de Guiné Equatorial e até mesmo empresários brasileiros.
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Por fim: falam da Beija-Flor como se apenas ela usasse meios escusos e nebulosos para financiar seus desfiles. TODAS (e gostaria de deixar o todas bem frisado) as escolas tem ligação recente e histórica com a contravenção. A começar pela própria Beija-Flor, que tem como presidente Farid Abrahão David, deputado estadual no RJ e irmão de Anísio Abrahão David, famoso bicheiro da Baixada Fluminense. Luizinho Drummond, presidente da Imperatriz Leopoldinense, esteve envolvido em diversos crimes. Castor de Andrade na Mocidade Independente, Natal na Portela, Maninho no Salgueiro... todas tem alguma ligação com algum contraventor. 
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O enredo, obviamente, também foi muito questionado. Mas, por favor, também não venham questionar isso. Em 2006, a Vila Isabel foi campeã com um desfile financiado pelo governo venezuelano - que passa longe de ser um exemplo de democracia. Em 1989, a Mangueira homenageou Chico Recarey, empresário espanhol radicado no Rio de Janeiro envolvido em problemas por falta de pagamento de impostos desde a década de 1980. As popularíssimas Vila Isabel e Mangueira podem, a Beija-Flor não. Certíssimo. 
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No final das contas, tudo o que falam visa apenas colocar pressão sobre os jurados para que, ano que vem, o título não volte para Nilópolis - pressão que já aconteceu antes. Falar que a escola teve um ótimo samba-enredo, muito luxo e que há muito tem o melhor chão do carnaval carioca deve ser proibido. Preferem falar que a Deusa da Passarela é apenas a escola da Globo porque ela aparecia no BBB (bem como a Mocidade Independente apareceu) - e como se a imensa maioria dos artistas globais não desfilassem na Grande Rio.
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Também tem gente que fala que a Beija-Flor ganha sempre com o mesmo desfile. Esse argumento é tão pueril que nem deveria ser respondido, mas lá vai: é um estilo, e é um estilo vencedor. O Salgueiro ficou mais de dez anos fazendo sambas no mesmo estilo, a Mangueira passou mais de oitenta anos sem fazer paradinhas na bateria, a Imperatriz ganhou carnavais que, se deixar, nem ela acreditava que seu estilo técnico traria para casa. E culpar a Beija-Flor por fazer um tipo específico de desfile? Me poupe. 
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Que o título da Beija-Flor em 2015 seja um marco para a moralização do carnaval. Sim, do carnaval. A Beija-Flor está inserida nesse meio, e não é só ela que deve mudar. Engulam o choro - e tomem as críticas para suas próprias escolas.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Foi

Eu já tinha visto o Vai-Vai no Anhembi uma vez. Foi em 2012, logo depois de um título. Um samba que não me agradava (como muitos na minha própria escola do coração), um enredo promissor que foi mal explorado, uma atravessada histórica de Wander Pires... mas a arquibancada lá ficou, firme e forte, apoiando a escola em sua Via Crucis - que, sabe-se lá como, ainda gerou um ótimo terceiro lugar para a Escola do Povo. 
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Voltei pra ver o Vai-Vai esse ano. Fui desconfiado, mesmo sabendo que a escola tinha um sambaço e um enredo bem feito e muito popular. Mas não queria perder a desconfiança. Após um terrível nono lugar em 2014, seria difícil conseguir uma posição com tanto destaque diante de Mocidade, Rosas, Águia de Ouro e Tucuruvi.
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A desconfiança, essa maldita, sumiu quando Maria Rita esquentou a escola com um excerto de "Maria, Maria", logo emendado pelo começo do samba-enredo - que, por sinal, era a parte onomatopéica do mesmo clássico da homenageada desse ano, Elis Regina. 
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O nirvana durou alguns poucos minutos. Logo que o imenso abre-alas entrou na avenida era nítido ver o problema no primeiro carro acoplado. A desconfiança voltou. Eu cantava e me emocionava, claro, mas eu superdimensionei aquele fato. Tudo no Vai-Vai é superdimensionado, os fatos bons e os ruins. E eu já contava com a correria habitual da escola pra fechar dentro do tempo - algo que não aconteceu pela primeira vez em muitos anos.
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Superdimensionada e real era a torcida da escola. Ninguém mexeu mais com o Anhembi que a Saracura - nem a Gaviões, que entrou empolgando e saiu com o prazo de validade já vencido. Todos cantaram, desfilando ou assistindo. E todos faziam a coreografia que a escola fazia. Somos tradição. E o samba continua. 
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No ranking que sempre faço, a Vai-Vai era a terceira. Dependia de todo mundo canetar a Tucuruvi e os jurados não entenderem o complexo enredo da Rosas de Ouro. Foi mais ou menos por aí. No final das contas, foram pra Evolução a minha terceira e a minha quarta colocadas. O meu Vai-Vai e a Mocidade da bateria que mais pareceu uma metralhadora e não perdeu décimo nenhum de jurado nenhum.
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O castigo veio à cavalo pra Morada do Samba. Com uma nota de antecedência vi minha escola ganhar o 15º título de sua história e ratificar sua condição de ser a maior vencedora do carnaval paulistano. Tudo isso quietinho enquanto trabalhava. 
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A desconfiança me fez comemorar menos, mas não deixou tudo menos emocionante. A passarela, que virou um arrastão, consagrou quem a levantou. Nem precisou não ser Vai-Vai pra chorar: quem era chorou também. O mais importante é que a nossa escola levou a taça. 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Jogando luzes sobre outro caso de corrupção tão vergonhoso quanto o petrolão

Eu não preciso dizer aqui o que é o petrolão. Infelizmente todos nós sabemos do quanto a Petrobras (que, em consequência de ser uma empresa estatal, também significa todos nós) foi surrupiada por uma corja de pessoas de extrema má-fé e que, além de tudo, são incompetentes. Mas, infelizmente, o petrolão não é o único caso brasileiro de corrupção recente - aliás, passa longe disso. 
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O cartel dos trens e metrô de São Paulo (ou Caso Alston, Caso Siemens ou afins) teve sua denúncia arquivada pelo Supremo Tribunal Federal. Basicamente: acabou em pizza - apesar do ministro Luiz Fux afirmar que, caso surjam novas provas, o inquérito será reaberto. Eu finjo que acredito, ministro. 
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Chama a atenção o motivo pelo qual o inquérito foi arquivado: falta de diligências - ou melhor, de provas. Será que um escândalo que envolve ao menos Brasil, Suíça e França não tem provas, fontes, fatos e todo o tipo de prova possível e imaginável para se apurar melhor eventuais irregularidades? Será que não temos nenhum culpado no caso e que foi tudo um imenso mal entendido?
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O mais incrível é que talvez você não saiba que o caso foi arquivado, e, em partes, eu não te culpo. Você é culpado por não exercer sua cidadania e não procurar por algo que te interessa diretamente - embora você não deva pensar por esse lado, infelizmente. Mas é estranho ver que essa notícia não foi publicada em nenhum veículo da grande mídia. Será que isso não é importante, não daria audiência?
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O caso me lembra muito o que aconteceu no chamado Mensalão Mineiro, também arquivado durante o escândalo do Mensalão. São casos que funcionam basicamente com o modus operandi, mas o primeiro foi muito mais divulgado que o segundo - sendo que o caso de Minas Gerais movimentou, inclusive, maior quantidade de dinheiro. 
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Palavras de um jornalista formado: casos tão semelhantes renderiam, no mínimo, boas reportagens e suítes - uma notícia que tem desdobramentos quase que diários, no jargão jornalístico. Será que eu, que não trabalho em nenhum grande veículo da mídia, sou um gênio e pensei em algo que nenhum outro jornalista brasileiro pensou; ou será que há alguma má vontade ou, quem sabe, má fé dos grandes veículos de comunicação desse país? Tire suas conclusões. 
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Um caso não exclui o outro, e não quero defender ninguém nem partido nenhum aqui - até porque PT e PSDB só se atacam porque querem o poder, mesmo tendo as mesmíssimas ideias em vários aspectos. Mas você precisa se informar e ser melhor informado também - o primeiro caso depende de você; o segundo, não.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O incrível dia em que eu demorei vinte minutos para subir uma escada

Para quem não sabe, eu faço um freelancer nos canais ESPN como operador de bottomline. Vou lá semanalmente às segundas e quinzenalmente aos sábados. No último sábado (07/02), estava escalado para ir lá. Mas, na verdade, o dia de trabalho começou na sexta-feira (06/02).
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Foi um dia antes de ir para lá que vi que o bloco Sargento Pimenta sairia da estação Sumaré, onde eu desço para ir trabalhar. Pior: eu costumo chegar na emissora por volta das 15h30 enquanto os foliões passariam a ganhar as ruas às 15h.
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Só de pensar em toda a situação eu já me considerei cansado. Um dos vários pontos bons de trabalhar aos finais de semana (sim, é isso mesmo) é não ter problemas para pegar um assento no trem e no metrô de São Paulo e saborear um bom livro.
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Pego o transporte público na estação São Caetano da CPTM, fazendo baldeação na Tamanduateí e pegando a Linha Verde do metrô. Já era possível ver um fluxo maior de pessoas, mas nada de anormal. Quando chegamos na Ana Rosa (estação que baldeação entre as Linhas Verde e Azul, a mais antiga do sistema) o vagão ficou quase lotado. O mais inusitado foi ver que, na estação Consolação (que faz baldeação com a Linha Amarela e onde tradicionalmente sai muito mais gente que entra), o vagão ficou como se fosse o começo de um dia útil. 
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Espremido no meu canto, via o rosto das pessoas colados - mas felizes, o que indicava que nenhuma ia trabalhar. No espaço de duas estações o vagão inteiro cantou parabéns para alguém, ouviu o discurso da aniversariante e alguns outros gritos aleatórios. Nada contra, era (quase carnaval). Achei engraçado, aliás.
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O primeiro susto que levei naquele dia foi ao sair do vagão, na já citada estação Sumaré. Só consegui sair porque algumas pessoas seguraram a porta do vagão. O fluxo de pessoas nas únicas escadas era imenso, tanto que fiquei vinte minutos para ir da plataforma às catracas - e o que separa esses dois pontos são os tais dois lances de escada.
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Nunca vi algo parecido, e olha que tomo metrô com muita frequência desde 2011. Pior: quando o vagão seguinte chegou na estação, muitas pessoas sequer haviam pisado na escada. Já falei aqui que precisamos reformar as estações antigas do metrô paulistano, né? Pois é. Uma única escada foi insuficiente nesse caso - por mais que a estação seja bem pacata na maioria dos dias. 
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Ouvi várias pessoas na ESPN relatando seus problemas para chegar à redação, agora de carro. Vale ressaltar que a redação da emissora fica bem próxima à avenida Doutor Arnaldo, ao Hospital das Clínicas, à rua Teodoro Sampaio e a cerca de 2 km da Avenida Paulista. Aqui a minha surpresa foi menor, entretanto. Não precisa muito para perceber que não cabem mais carros em São Paulo e algo precisa ser feito. 
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Após determinado horário a ESPN oferece transporte gratuito até a estação Sumaré por motivos de segurança. Ao chegar na estação me senti no carnaval de Salvador: homens sem camisa e eles e elas majoritariamente bêbados. O chão grudava no tênis e o aroma já mostrava que cerveja não faltou mesmo dentro do metrô - tinha até uma latinha na bilheteria. O elevador para pessoas com necessidades especiais estava quebrado, bem como a catraca mais larga. 
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O que mais me impressionou, porém, foi a quantidade surreal de latinhas na estação, maior inclusive que a rua onde fica a estação. Imaginei então o local um pouco mais cedo (saí por volta das 23h, quando o bloco já tinha acabado) e as ruas adjacentes. Imaginei também o trabalho da equipe de limpeza do metrô. 
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Já com o meu livro em mãos para a viagem até o ABC de volta, um homem visivelmente bêbado esbarrou em mim - ele vinha de costas e eu estava parado. Três amigos precisaram da ajuda um do outro para sentar, e não conseguiram se levantar para pegar o vagão que entrei. 
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Nada contra bêbados, mas ela não pode prejudicar outros e toda uma comunidade que depende do transporte público. Por mais que seja difícil controlar seus atos ébrios, isso não pode acontecer. E isso vai de criação, de responsabilidade. 
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Não soube de nenhuma ocorrência mais grave no bloco nem no metrô nesse dia. Ao menos isso. Mas, com o carnaval batendo às portes, precisamos ser mais responsáveis e precisamos de uma organização maior das autoridades competentes para festejarmos a folia de Momo em paz.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

E você, vai aprender o quê com as crises?

Você deve conhecer a crise de 2008 muito mais pela fama que ela criou mundo afora do que pelo impacto dela na economia brasileira. Mas saiba que ela foi devastadora. Foram momentos difíceis ao redor da Terra, mas o mundo já está praticamente recuperado - tem um ou outro país ou região que fogem à regra, como quase sempre acontece. O mais importante é que o mundo aprendeu muito com a recessão recente, assim como aprendeu demais após a Quinta-Feira Negra
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Em 2001, o Brasil viveu o famoso apagão por conta da baixa quantidade de água nas hidrelétricas nacionais. Após um período de muita economia, o país voltou à normalidade no aspecto de geração de energia. O que aprendemos com aquele triste período? Se pensarmos que de 2001 até 2013 o consumo de energia cresceu 51,6% (de acordo com o Ministério das Minas e Energia) e que de 2013 para 2014 o aumento foi de 3,6%, dá para deduzir que pouco aprendemos - se é que aprendemos algo. O desperdício segue imenso.
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Sei que a partir de 2002 (ou seja, um ano após o apagão) o Brasil começou a crescer demais economicamente, mas longe de acompanhar o ritmo de crescimento do consumo de energia. A conta simplesmente não fecha. 
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Eis que, catorze anos depois, enfrentamos duas crises ao mesmo tempo - e, novamente, parece que insistimos eu não tirar nenhuma lição delas. Agora não há mais crise de energia (de maneira sistêmica, ao menos e por enquanto), mas sim de combustíveis e ética. (Não que a crise ética seja de hoje, mas ela está em voga novamente - se é que um dia ela saiu da pauta).
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Como o seu bolso já deve ter acusado, a gasolina ficou mais cara no país inteiro nos últimos dias. Se você teve algum contato básico com redes sociais na última semana deve ter visto muita gente contando casos diversos e reclamando do preço da gasolina. 
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O mais engraçado é que quem faz essas reclamações não deixa de encher o tanque. Paga o que tiver que pagar, mas sem o carro não pode viver. Ônibus? Trem? Metrô? Bicicleta? Trólebus? Ora, faça-me o favor! O ilustríssimo classe média não abandona seu automóvel, custe o que custar. Entre a economia e o conforto (e o status), prefere os dois últimos. 
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É simples: você pode colaborar bastante para abaixar a gasolina. Basta largar o carro e passar a andar de transporte público. Com menos procura, o preço vai cair. É a Lei da Oferta e da Procura ao nosso favor. Todo mundo agradece. 
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Não tenha dúvida que os ônibus, os trens, os metrôs e afins estão lotados, infelizmente. Mas qual foi a última vez que você não pegou trânsito ao ir trabalhar? Ao pesar as duas situações, os motoristas preferem olhar para o próprio umbigo do que para o restante da sociedade - sem ver que o umbigo dele também pertente à sociedade. Isso para não entrar nos méritos ambientais, já que um carro polui muito mais que qualquer condução pública
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Paralelamente a isso, vemos um tristíssimo episódio que devasta a Petrobras, outrora orgulho brasileiro. Tal qual tantos outros escândalos, o problema é o mesmo: corrupção. 
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Não vou me lembrar onde vi a citação, mas concordo muito com ela: corrupção tem hierarquia. Nessa altura da vida, não podemos mais ser tão pueris para acreditar que guardar lugar na fila é algo que possa ser comparado a desviar bilhões de reais públicos para contas particulares. Isso só acontece na mente de mães carolas em explicações bem boçais, rasas e hipócritas para seus filhos - que já recebem uma noção ética errada desde o começo de sua educação, como podem ver. 
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Guardar lugar na fila é errado, e é algo que muitos fazem. Mas e se alguém oferecesse um carro, uma casa ou uma boa quantia em dinheiro para ganhar seu voto, você se venderia? Se nós não temos acesso aos bilhões envolvidos no petrolão, podemos trazer a situação para valores e situações bem mais próximas de nós - como eu fiz acima. 
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É fácil se revoltar com o que vemos todos os dias nos (radio/tele)jornais. É revoltante mesmo. Mas, se você faz o mesmo que eles (dadas as devidas proporções), você mesmo é um deles e esta atrapalhando o bom andamento do país. 
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Aliás, o pior pensamento que pode existir em situação de conflitos éticos tão fortes como o que vivemos agora é o de que "se eles podem, eu também posso". Não, ninguém pode. E, se a impunidade te deixa livre, você ganha o asco de boa parte das pessoas, que passam a te olhar de canto de olho e a perder a confiança em você. 
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Passe a ver a notícia com outros olhos. Como tudo na vida, elas também trazem aprendizados. E, nesse caso, aprender é mudar o próprio comportamento.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O país das estatais que não funcionam

Desde que eu me entendo por gente eu sou simpático à ideia de ter algumas empresas sob comando e intervenção direta do governo. Não todas, mas algumas em setores estratégicos: áreas que não interessam ao mercado privado seja lá por qual motivo; setores em que seja interessante que o produto final (em alguns casos a própria matéria-prima) fique no país; filões que comandem áreas que devem ficar fora de disputas quaisquer por tratarem de assuntos que estão acima de qualquer intriga - educação, saúde, transporte. 
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Isso, é claro, no meu utópico país - aliás, é interessante ver como o que é utópico para muita gente tem alguma ligação com ideias de esquerda, mas enfim. Eu mesmo não sou um esquerdista, socialista, comunista ou coisas do gênero. Eu só tenho algumas opiniões pessoais. A única certeza é que, conversando e deixando tudo claro, qualquer assunto pode ser resolvido. 
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E é aí, primariamente falando, que eu percebo que o Brasil não nasceu para ter empresas estatais decentes. Conversas entre governo e empresas de sua alçada até existem, mas costumam ser porcas e/ou insuficientes. Sobre essa relação ser clara... bom, a privataria e os petrolão falam por mim - e também provam que essa triste situação brasileira independe de partido. 
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Chega a ser espantoso como uma empresa brasileira se dá muito melhor quando sai do guarda-chuva do governo. A Vale do Rio Doce e a Embraer são alguns exemplos. E acho que não preciso citar o quanto a telefonia melhorou após a venda da Telebrás
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Eu sigo achando que aquele meu sonho de criança não é algo tão distante. Acho que o caso brasileiro é uma clássica (e histórica) situação de incompetência. Talvez mais: incompetência, má fé e desleixo. 
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Mesmo no meu tal sonho as empresas estatais gerariam lucros líquidos para o governo - não, eu não pensava em lucros líquidos com seis anos de idade, elas só tinham que ganhar mais dinheiro que gastar. Algo pueril, como se vê. Mas complexo demais para todos os governos brasileiros. 
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Uma empresa tem que crescer, buscar se expandir, querer ser a melhor em seu setor. Uma empresa governamental, então, tem que ter isso em seu DNA. E por muito tempo não foi assim: parece que as estatais eram imensos cabides de emprego, com pessoas que nada produziam e que estavam lá surrupiando o dinheiro de todos nós. Servia também para mães corujas suspirarem ainda mais pelos filhos, dizendo aos quatro ventos que ele era servidor público - acredite, isso era sinônimo de ser um bom partido até bem pouco tempo atrás. (Ok, talvez nem tão pouco tempo atrás, já que a expressão ~bom partido~ não é exatamente nova)
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Se era motivo de orgulho, era muito mais porque em muitos setores o Brasil tinha uma concorrência ínfima, difícil até mesmo de considerar - isso quando tinha. Quando as privatizações começaram, logo vimos o tempo que perdemos mantendo o sistema antigo por tanto tempo. 
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Em tempo: não faço aqui a defesa das privatizações ao jeito brasileiro, uma daquelas vergonhas que só os políticos brasileiros são capazes de proporcionar. Mas faço a defesa das privatizações das empresas brasileiras, que passaram a gerar muito mais riqueza para o próprio país que antes - de maneiras diferentes, claro. 
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Cabe a mim apenas invejar as estatais que são geridas do jeito que eu sonhava quando criança. Lá fora o modelo dá certo, como você pode ver aqui. Quatro das dez maiores empresas da Terra são estatais. As dez maiores empresas ligadas ao petróleo e ao gás são estatais, também. Parece que só aqui no Brasil nós não aprendemos a lidar com elas. 
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Como grande fã do modelo escandinavo de governo, também gosto de frisar que o sistema educacional finlandês (o melhor do mundo na opinião de boa parte dos analistas que leio) é inteiro estatal e a maior empresa do país com o maior IDH do mundo é estatal (a norueguesa Statoil), pra ficar em dois exemplos bem básicos. E ninguém diz que eles são comunistas/socialistas, eles apenas tem um governo que trata as empresas de um jeito eficiente e que busca o lucro, sabendo que é isso que vai ajudar o país. Algo que não aprendemos em 515 anos de história.
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Aquele meu sonho de criança fica a cada dia mais distante. Mas, no Brasil, é bom que ele seja enterrado de uma vez por todas. 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

As estranhas consequências das crises econômica e técnica no futebol brasileiro

Os últimos anos antes da Copa de 2014 foram dourados para o futebol brasileiro. Desde a adoção do Brasileirão por pontos corridos em 2003 o Brasil passou a ter muito mais força nas competições sul-americanas e mundiais, com os clubes cada vez mais ricos - desorganizados, é verdade, mas ricos. 
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O futebol, na verdade, era apenas o reflexo da situação nacional. Desde 2003 o Brasil cresceu bastante e viu até mesmo o fenômeno da nova classe média. Ainda que se endividando, poucas vezes o brasileiro com pouca ou nenhuma grande posse teve acesso a bens de consumo e compras que eram normais para tantos outros. 
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Vimos, então, uma ordem quase que natural se inverter: os olhos do mundo se voltaram para a economia brasileira, enquanto jogadores de renome internacional chegavam ao futebol nacional sendo bancados por altos salários, como Alexandre Pato, Clarence Seedorf e Kaká. Mais: atletas com mercado fora do país ficaram aqui, como Leandro Damião e Paulo Henrique Ganso. Isso sem contar em Neymar, que ficou cinco longos anos atuando no futebol brasileiro já seguido pelo mercado europeu.
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Eis que chegou 2014. O ano da Copa, o ano do 7x1, o ano das eleições, o ano em que a economia brasileira entrou em uma espiral descendente de maneira quase súbita - embora ela já desse sinais de fracasso, não era para uma queda tão assustadora de uma hora para outra. 
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O futebol, mais uma vez, sentiu os efeitos econômicos - agora, longe de serem bons. Mas, embora seja um reflexo da economia, o próprio esporte tinha seus complicadores por conta do já dito desastre na Copa do Mundo. 
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Os clubes da Europa (maior centro do futebol mundial) passaram a olhar para o Brasil de soslaio, cheios de desconfiança - com toda a razão, convenhamos. O reflexo disso veio na debandada de vários atletas importantíssimos do futebol brasileiro para mercados periféricos - algo que já acontecia antes, mas apenas como complemento de transferências para grandes centros do esporte bretão. 
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Diego Tardelli e Ricardo Goulart, presentes na seleção brasileira e campeões nacionais no último ano, foram para a China - ora, o que é a China no mercado do futebol? Darío Conca, de um clube muito importante no futebol brasileiro, também foi para a Terra do Dragão. Éverton Ribeiro e Osvaldo foram ganhar petrodólares nos Emirados Árabes Unidos; Anderson Martins foi para o Qatar.
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Se os clubes brasileiros vem contratando cada vez mais jogadores sul-americanos (apesar de ainda olharem pouco esse mercado diante do que ele oferece), o Brasil passou a perder jogadores até mesmo para clubes argentinos - algo impensável até o ano passado. Casos de Álvaro Pereira e muito provavelmente de Nicolás Lodeiro. 
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Precisamos nos livrar dessas crises. Um bom começo é entender os pequenos sinais que ela dá - e parar de achar que tudo vai se resolver como em um passe de mágica.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Os smartphones mataram os relógios

Nas duas últimas noites eu saí com minha namorada e meus amigos - isso explica a ausência de postagens por aqui, aliás. É claro que cada saída e cada pessoa tem suas particularidades, mas atentei para algo ontem que já tinha pensado tempos atrás e ratifiquei. O pensamento é o título desse post, aliás. 
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Vi, nas duas últimas noites, cerca de trinta pessoas - que estavam nas mesas onde eu estava. Nenhuma delas tinha um relógio de pulso. Enquanto isso, entre conversas, risadas e mordidas em comidas, as pessoas usavam o celular freneticamente, muitas vezes mostrando algo nele para seus amigos. Também vi duas pessoas viradas uma para a outra e mexendo no aparelho. O pior: já vi isso muitas vezes que, para mim, deixou de ser curioso. É chocante.
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A maioria (para não dizer todos) os smartphones tem em sua tela inicial (a que é desbloqueada) o celular, em fontes garrafais, para quem quiser saber que horas são. E, cada vez mais, os celulares são utensílios indispensáveis para todo mundo - para a vida pessoal, profissional, educacional e qualquer complemento para a palavra "vida" que você queira encaixar aqui. 
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O mais engraçado é que, em tese, é muito mais fácil ver as horas por um relógio de pulso que por um celular. Basta você olhar para o próprio braço no relógio; enquanto no celular você tem que, no mínimo, apertar um botão - isso quando não precisa tirá-lo do bolso. Isso só reforça o que disse no título - e o grau de vício que temos nos nossos aparelhos.
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Hoje em dia, relógio tem como utilidade o status e a ostentação. Usar um Rolex ou uma marca cara te deixa mais bonito e com uma aura de único, com bom gosto - uma espécie de hipster clássico. Talvez só eles saibam o quão mais fácil é ver a hora em um relógio, talvez eles não gostem de celular. Mas não se vê mais um relógio que não seja de uma marca conceituada em pulso nenhum.
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De bandeja, os smartphones também mataram uma das interações sociais mais antigas que existem. Ao menos eu não vejo há tempos uma pessoa perguntando que horas são para a outra. Fico me perguntando quantas pessoas e casais não se conheceram com essa inocente pergunta - e que, consequentemente, nem se conheceriam nos dias de hoje. 
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Daqui a pouco surge algum aparelho que vai matar o "será que vai chover?"...