A situação, aliás, é uma ótima síntese do que foi boa parte de 2016 do São Paulo. Uma campanha horrível no Paulistão (levando quatro gols do surpreendente Audax nas quartas-de-final, ficando de fora das semifinais do Estadual pela segunda vez nos últimos três torneios e jogando fora de casa a partida eliminatória por ter ido pior que o time de Osasco na primeira fase); uma eliminação vergonhosa para o Juventude na Copa do Brasil, perdendo em pleno Morumbi para um time que não conseguiu chegar nem na final da Série C; e um Campeonato Brasileiro quase sempre na metade de baixo da tabela - isso com a
sexta maior folha salarial do país. Um desastre completo.
Ao contrário de tudo isso, não sou dos torcedores que acham o ano inteiro ruim. Acho o segundo semestre tenebroso, mas o primeiro teve, se deixar, mais altos que baixos. Tudo por conta da campanha monumental na Libertadores, quando o desacreditado time suou sangue para chegar até a semifinal e ser
eliminado de maneira bem controversa pelo campeão Atlético Nacional de Medellín.
Uma Copa dessas, amigo, vale demais.
O que, então, deu certo na Libertadores e falhou tão retumbantemente no resto do ano? Podemos dividir essa explicação em alguns tópicos:
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(Créditos: Leandro Martins/Estadão Conteúdo) |
- Importância da competição: a Libertadores é o torneio mais importante da América do Sul. Mais do que isso, o torcedor do São Paulo nunca escondeu o quanto gosta do torneio e faz questão que o time vá bem nela - mesmo que, pra isso, escanteie outros certames
- Técnico: Edgardo Bauza, então técnico são-paulino conhece a Libertadores - levou duas equipes que nunca tinham vencido o torneio (LDU, em 2008; e San Lorenzo, em 2014) ao título. O estilo de jogo implementado por Patón, privilegiando a defesa, também contou pontos
- Calleri e Ganso: o argentino foi o artilheiro da Libertadores, enquanto o meia foi o jogador que mais deu assistências para os companheiros. Tudo isso sem jogar a final.
- Trujillanos: antes de enfrentar o time venezuelano no Morumbi e humilhar os Guerreros de la Montaña por 6x0 (maior goleada da Libertadores de 2016, junto com a vitória do Corinthians sobre o Cobresal), o Tricolor tinha uma derrota (em casa) e dois empates. O triunfo fez o clube, que corria seríssimo risco de cair na primeira fase da Copa pela primeira vez desde 1987, reagisse.
- Luiz Cunha: o diretor de futebol conseguiu blindar o elenco e dar uma paz pouco vista ao grupo de jogadores desde o trágico terceiro mandato de Juvenal Juvêncio, iniciado em 2011. Com ele, tudo era feito na surdina e não vazava para a imprensa - algo muito bem quisto.
O ciclo sem fim começa, justamente, na eliminação com uma série de erros de arbitragem do São Paulo pela Libertadores. Sem a competição preferida da torcida, Calleri e Ganso foram vendidos. Bauza saiu pouco depois. Luiz Cunha já havia saído no espaço entre a classificação heroica contra o Atlético Mineiro e a eliminação para o Atlético Nacional. E, bem, no Brasileirão não existem times tão fracos como o Trujillanos.
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(Créditos: Fabio Suzuki/Lancenet) |
Erros foram se sucedendo no segundo semestre. Da eliminação na Libertadores até agora, foram sete vitórias, sete empates e dez derrotas - aproveitamento de 38,8% dos pontos, que colocaria o São Paulo atrás do Vitória no Brasileirão, último time fora da zona de rebaixamento.
Como você pode ver, nada é por acaso.
O planejamento foi inteiramente bagunçado. Ao todo, chegaram trinta e três jogadores e saíram trinta e um - sendo que onze chegaram e logo saíram, e três tiveram pelo menos duas transferências. Um clube que tem a média de mais de cinco mudanças no elenco por mês pode tudo, menos ter um bom ano.
A própria diretoria também mudou bastante. Nomes como o do próprio Luiz Cunha, Gustavo Vieira de Oliveira, Rubens Moreno, Ataíde Gil Guerreiro, José Alexandre Medicis da Silveira e José Jacobson Neto se revezaram em duas ou três funções, que não foram bem explicadas para ninguém até hoje.
E é a diretoria o ponto nevrálgico dessa situação toda.
Desde o já citado terceiro mandato de Juvenal Juvêncio, as diretorias do São Paulo não cansam de errar. De 2011 para cá, um dos clubes mais vitoriosos do Brasil ganhou apenas um título - muito mais pela união do grupo de 2012, que queria dar um troféu para coroar o ciclo de Lucas Moura no SPFC. Até mesmo uma impensável
renúncia aconteceu, tudo marcado por denúncias de corrupção e bravatas que pouco combinam com o histórico das diretorias tricolores.
Em uma dessas lástimas que só o São Paulo é capaz de proporcionar, a eleição interna acontece em abril - com a temporada já a pleno vapor. O planejamento feito pode muito bem ser rasgado por caprichos de um mandatário ou de uma diretoria de oposição. E, como se a situação já não fosse ruim o bastante, 2017 é ano eleitoral. Ou seja: se 2017 começar bem, tudo pode mudar; se começar mal, pode ser que fique ainda pior - ou você realmente acha que, na atual situação, o São Paulo pode voltar às boas a curto prazo?
No futebol, a diretoria é de um papel tão lastimável que nos lembra porque boa parte dela é amadora. Para substituir Edgardo Bauza veio Ricardo Gomes, que estava prestes a entrar na zona de rebaixamento com o Botafogo. O time carioca não poderia fazer muito mais que isso e o que o substituto Jair Ventura faz com o time é magnífico, mas claramente faltou ambição ao São Paulo.
Como os resultados obviamente não vieram, a diretoria ficou espremida entre as críticas e bancar o treinador. Quatro manchetes ilustram a situação de maneira perfeita:
Já tínhamos ao menos um bom nome no mercado - se não para aquele momento, para o próximo ano. A vitória sobre o Fluminense veio, em uma partida que diz muito sobre a equipe: um primeiro tempo medonho; uma segunda etapa que,
a partir de um erro clamoroso do adversário, fez o time voar em campo
Ricardo Gomes estava garantido, ao menos, até o fim do ano. Mesmo assim, convivia com a pior concorrência que alguém pode sofrer: o maior ídolo da história do clube, que estudava para se tornar técnico de futebol - e, obviamente, não tem nenhuma experiência no cargo.
É isso mesmo: oito dias (e um empate e uma derrota) depois de ser garantido para o ano seguinte, Ricardo Gomes foi sumariamente demitido da maneira mais vexatória e antiprofissional possível.
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(Créditos: Reprodução/Gazeta Press) |
Não é possível confiar numa diretoria dessas, que em pouco mais de um mês erra ao menos quatro vezes (cada manchete representa pelo menos um erro, como pode ver) e muda o destino do clube ao sabor do resultado e da pressão da torcida, não do trabalho realizado. Seja com Ricardo Gomes, com Rogério Ceni ou com Jesus Cristo.
A chegada de Rogério Ceni, aliás, merece uma menção especial.
Ela não pensa no futuro do clube, mas sim em atender à pressão da torcida (que precisa se sentir identificada com o time em campo)
em ano eleitoral. Os cartolas fizeram o que a torcida querida: se der errado, a culpa é dos jogadores, e não deles. Politicamente brilhante - e de uma canalhice sem tamanho, já que o goleiro-artilheiro jamais treinou sequer uma equipe de juniores. Portanto, pro mais fã que eu seja de Rogério Ceni (é impossível ser são-paulino e não ser), sou contra a chegada dele nesse momento. Não me peçam pra bater palmas nem pra comemorar isso. Vou torcer, óbvio, mas
o potencial de dar errado é imenso.
Não espere que 2017 seja muito diferente do que foi 2016 para o São Paulo. Títulos só com um elenco bem aguerrido (qualificado é algo bem difícil), um ou outro jogo memorável, algumas derrotas doloridas.
Mais um ano na pasmaceira. Enquanto a diretoria não for mudada ou mudar de atitude, teremos vários 2016 nos próximos anos.