sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O que as urnas nos disseram

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Passados os dois turnos das eleições e já no aguardo de posses e da manutenção de quem foi reeleito, precisamos pensar no resultado do pleito. Considero o que as urnas dizem, aliás, como um grande retrato do que está certo e do que tem que melhorar no país - conhecendo, claro, partidos e candidatos. 
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Seria muita petulância fazer isso sozinho. Por isso, conversei com o meu amigo José de Martini Peres, estudante de Ciências Humanas que pretende cursar Filosofia e Ciências Sociais na UFABC - na UFABC, primeiro se faz um curso interdisciplinar dentro da área de atuação desejada, para só depois ir para o curso específico propriamente dito. 
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Elenquei alguns temas que achei interessantes nos resultados e perguntei a opinião de José. No geral, sintetizo minhas observações em uma só palavra: descentralização. 
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Em um país tão grande e com uma estrutura política ainda tão arcaica quanto o Brasil, é bom ver que o poder, ainda que lentamente, comece a sair de partidos dominantes, grupos quase oligárquicos e famílias tradicionais - sejam elas quais forem, 
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A começar, pela presidência: desde 2002 (ano em que o PT chegou ao Planalto), o partido teve sua menor porcentagem de votos. Interessante notar que o segundo colocado no pleito sempre foi o PSDB, que ocupou o cargo mais importante do país desde 1994. A votação para a presidência mais parelha da história da Nova República viu o PSDB, enfim, incomodando (bastante) o PT. Teriam os tucanos crescido e o PT encolhido? José acredita em metade dessa tese:
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- Na verdade, acredito sim que o PT "encolheu", mas não me parece que o PSDB "cresceu". A conjuntura, principalmente ao longo do ano, se apresentava como uma conjuntura de mudança. No entanto, o PSDB não soube - pra variar - movimentar capital político nesse sentido. Uma verdadeira oposição sistemática provavelmente teria vencido a eleição.
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A questão do PSDB, inclusive, é interessante. A imprensa especializada sempre criticou a oposição leve que o partido fazia. Enquanto o governo não encontrava grandes dificuldades em aprovar suas pautas e os tucanos seguiam coexistindo de maneira relativamente tranquila com o PT, essa eleição parece ter sepultado a ideia de que o partido de Aécio Neves seguirá enfrentando seu rival de maneira pouco contundente. 
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A descentralização fica clara, também, nos Executivos estaduais. Na eleição de 2010, seis partidos governavam todos os estados brasileiros. Em 2014, são nove as siglas que venceremos pleitos nas unidades federativas. Ainda acho que seja pouco, mas já é um avanço. Acho também que muitos desses partidos seguem sem uma linha ideológica muito clara e dependente de alguns poucos caciques políticos. José comentou o que fez esses partidos menores ganharem espaço:
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- Esses números são interessantes. Acredito que os três grandes partidos, PT, PSDB e PMBD, profundamente imersos no fisiologismo, tendem a perder cada vez um pouco mais de espaço. Partidos surgem, à esquerda e à direita, defendendo bandeiras reais de eleitores no país e tocando em assuntos polêmicos que partidos de massa não podem arriscar com medo de perderem votos
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O Brasil me parece cada vez mais preocupado com os fins, e não com os meios. Nesse maquiavélico jogo, temos a televisão, que prioriza a audiência em detrimento à qualidade (e a grade horária); os clubes de futebol, que demitem técnicos após três resultados ruins; e a política, que se agarra a velhos mantras e alianças desconhecidas apenas para se eleger. 
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Também abordei o Legislativo, palco mais próximo da população no cenário político atual. Na Câmara, tínhamos 22 partidos representados em 2010; hoje, temos 28. Mais interessante ainda é ver que dos oito maiores partidos com as maiores bancadas, apenas o PSB cresceu - um deputado a mais, número inexpressivo diante das 513 cadeiras da casa. Os partidos de menor expressão podem fazer campanhas mais próximas do povo em si. José completa:
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-  [Os deputados] São pessoas que conhecem seu bairro e sua cidade profundamente, nasceram na vida política muitas vezes como vereadores de suas cidades e causam grande empatia. Os candidatos ao governo e principalmente à presidência são o exato oposto disso. Vemos figuras que são quase que "criadas em laboratório" para a eleição. Essa é uma característica complicada no Brasil, os grandes partidos se encastelando e dialogando cada vez menos com o povo.
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No Senado, entretanto, as mudanças não foram tão significativas - talvez porque, nesse ano, apenas um senador era eleito por estado. Por mais que PT, PMDB e PSDB (os três maiores partidos da casa) tenham perdido senadores, não dá para dizer que houve grandes mudanças na Câmara Alta. Além de analisar os números para esse cargo, José compara a situação brasileira com a americana:
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- Perder essas cadeiras significa novamente que os partidos tem perdido força simbólica. Duas coisas podem resultar disso: mais espaço pros menores, como falamos anteriormente, ou os partidos grandes debruçando-se sobre si mesmos e tentando articular seus candidatos de forma mais próxima do povo - não sou otimista a ponto de acreditar na segunda opção. Comparando de novo com os EUA, pois muito de lá deve ser aproveitado pra teoria (e muito também deve ser criticado), a imensidão dos Democratas e do GOP é de fazer PT e PSDB passarem vergonha. Dentro dos partidos existe muita discussão e muito debate de ideias ferrenho - é só assistir aos debates entre os pré-candidatos dos partidos pra observar um pouco disso na prática. Aqui no Brasil, os grandes partidos se acostumaram com o marasmo.
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Por fim, abordei com José um assunto que, até agora, não consegui chegar a uma opinião. As eleições tiveram alguma renovação ou não? Se José Sarney perdeu no Maranhão, ganhou no Amapá. Se o PSOL e o PSC (não que esse último partido seja de uma renovação ideológica, mas sim partidária) cresceram, nomes com José Serra, Tiririca, Marco Feliciano e Jair Bolsonaro tiveram votações expressivas. José também não soube me dizer ao certo - e aproveitou para elogiar a linha de diálogo do PSOL:
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- Essa é difícil. Não sei avaliar direito como manutenção ou como renovação. Do ponto de vista mais estrito, tanto o crescimento do PSC quanto do PSOL representam uma forma de "renovação", por mais que eu me afaste tão fortemente de ambos os partidos. Devo, no entanto, deixar minhas preferências de lado e admitir que o PSOL tem sabido se articular bastante bem, estabelecendo um diálogo mais à esquerda do PT sem se encastelar como os menores da esquerda que ainda se prendem a discursos mais ortodoxos (como PCB, PCO e PSTU).
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Até 2018, a política vai mudar ainda mais. Mas as (muitas) mudanças já começaram no começo desse mês. 
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