sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

No reino encantado da web, o carnaval abre alas e pede passagem ao futebol ~ post de Marcelo Barreto em seu blog

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Como bom brasileiro que é, Marcelo Barreto é trabalhador e adora futebol e carnaval. O jornalista salgueirense trabalha nos canais SporTV e é o atual correspondente da emissora em Londres. Ano passado, pouco depois do carnaval, ele escreveu um texto incrível em seu blog, sobre a relação dele com o carnaval, sempre comparando-o com a outra paixão nacional:
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"Em algum momento do fim dos anos 70, perguntei a minha mãe por qual escola de samba ela torcia. O folião da casa era meu pai, que na época ainda desfilava pelo Cume Ardendo (bloco de piranhas fundado pelo meu avô, pai dele, que alegrava as ruas de Bicas com homens vestidos de mulher e um estandarte com o desenho de um vulcão em erupção) e até hoje vira as noites assistindo aos desfiles pela TV. Mas, por alguma razão, foi a opinião dela que escolhi para esse assunto. Talvez porque à figura do pai já esteja reservada a escolha do time de futebol – tradição que fiz questão de passar ao neto dele. E muito mais provavelmente porque minha mãe é carioca, o que conferia a meus olhos de menino mineiro apaixonado pelo carnaval uma autoridade inquestionável.
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“Salgueiro”, ela disse, sem imaginar o impacto que sua resposta teria. Desde aquele dia, me tornei salgueirense. Além de supreendente, porque minha mãe nasceu e passou boa parte da infância em Vila Isabel, era uma escolha irresistível: a escola dela tinha sido bicampeã do carnaval carioca em 1974, com O Rei de França na Ilha da Assombração, e 75, com O Segredo das Minas do Rei Salomão, enredos de Joãosinho Trinta. O carnavalesco revolucionário saíra em seguida para dar um tricampeonato à Beija-Flor, mas parecia questão de tempo voltar a conquistar um título mesmo sem ele. Eu tinha me tornado torcedor de uma das mais tradicionais e vencedoras escolas de samba do Rio de Janeiro.
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Quanto a festejar logo um campeonato, estava errado. Desde aquele dia, amarguei um jejum de títulos semelhante ao que o Corinthians tinha acabado de encerrar e ao que o Botafogo veria terminar antes do meu – que só chegou ao fim com “Peguei um Ita no Norte”, em 1993, aquele do refrão “Explode, coração, na maior felicidade” cantado até hoje nos estádios. Mas, embora tenha começado minha relação com o carnaval baseado numa lógica futebolística – a gente gosta primeiro de um time e depois do esporte em si -, fui aprendendo durante aqueles anos que, para quem torce por uma escola de samba, não ser campeão pode ser uma decepção, mas não é um sofrimento. E como a gente sofre com o futebol!
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Vejam bem: não estou falando em nome da comunidade salgueirense. Minha relação com o Salgueiro surgiu tão aleatoriamente quanto a que tenho com meu time de futebol. Não nasci num morro da Tijuca, como jamais fui sócio do meu clube. O que tenho por ambos, a exemplo de milhões de brasileiros (não só os que nascem fora do Rio, mas muitos dos próprios cariocas), é uma afinidade nascida artificialmente e transformada em amor verdadeiro. Uma eu precisei sublimar, para ser jornalista esportivo; a outra, pude manter e declarar publicamente, porque – no que considero uma das grandes lacunas de minha carreira – jamais cobri um carnaval. E acho que aqui finalmente chego ao ponto do que queria dizer, além do simples prazer de usar este blog para escrever sobre minha outra paixão no mundo do entretenimento.
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Carnaval e futebol são igualmente apaixonantes, mas fundamentalmente diferentes no jeito de se torcer. Enquanto o torcedor de um clube se define pela existência do outro, o de uma escola de samba se basta a si mesmo. Nunca precisei odiar a Mangueira ou a Portela, rivais históricas, ou Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense, as grandes vencedoras da minha era, para me definir como salgueirense. Não sei se isso é melhor ou pior – talvez seja apenas diferente, para usar o lema que minha escola criou nos anos em que não ganhava o carnaval. Mas não posso assistir a um desfile – como estou fazendo enquanto escrevo este texto, com o mar azul da Portela me lembrando vagamente o que me encantou em 1981, ao som de “O mar, oi, o mar, por onde andei mareou…”, um dos sambas mais bonitos que já ouvi – sem pensar que esse sentimento carnavalesco é mais.. É, não tem outra palavra: esportivo.
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“Você é meu adversário, mas não é meu inimigo. A sua resistência me dá força. A sua força de vontade me dá coragem. A sua determinação me enobrece. Embora eu deseje derrotá-lo, se eu vencer não vou humilhá-lo. Ao contrário, vou homenageá-lo. Porque sem você sou um ser menor” , narrou Robin Williams para um vídeo do Comitê Olímpico Internacional. Daria um samba. Mas jamais seria cantado numa arquibancada.
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E tinha tudo para ser o contrário. No futebol, o torcedor pode se sentir parte de uma conquista com seu grito, seu apoio, o show que dá nas arquibancadas – mas jamais entrará em campo. No carnaval, o torcedor pode ser componente – o desempenho da escola depende diretamente dele. O futebol se decide dentro do campo, com critérios objetivos – por menos objetivos que sejam seus árbitros. O carnaval não tem árbitro, tem juízes. O trabalho de um ano inteiro está muito mais sujeito à interpretação de seres humanos falíveis do que a lei do impedimento. Por isso a Beija-Flor, com seus ratos e urubus inesquecíveis de 1989, perdeu o título para a Imperatriz do maravilhoso samba “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós…”. E por isso Dona Zica e Dona Neuma volta e meia desmaiavam durante a apuração, se as notas da Mangueira eram baixas. Como julgar uma paixão?
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Como, apesar de tudo isso, torcedores de todas as escolas se juntam no sambódromo sem brigar para provar que a sua é melhor, como a arquibancada inteira pode aplaudir um desfile como o Kizomba da Vila Isabel de 1988, como o torcedor de uma escola pode frequentar o ensaio de outra e até desfilar por ela, como todo sambista pode tirar o chapéu para a comissão de frente mágica da Unidos da Tijuca sem torcer o nariz por ser de outra agremiação, como, no fim das contas, foi o futebol trazido ao país pela aristocracia e não o samba criado nos morros que se tornou visceral, que preencheu as lacunas associativas do brasileiro? Isso é coisa para Roberto da Matta, que estudou os carnavais, os malandros e os heróis, explicar.
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Eu vou continuar, a cada carnaval, achando inviável e fascinante a ideia de torcer por um clube de futebol como se torce por uma escola de samba. Tão perto e tão longe de sua essência. Se ainda não realizei o sonho de trabalhar na avenida, como vejo meu compadre Aydano André Motta (o maior repórter do carnaval carioca) fazer desde que me mudei para o Rio, dei meu jeitinho de participar da festa. Já assisti aos desfiles da arquibancada e de camarote – de onde finalmente vi de perto o Salgueiro passar campeão, tocando o Tambor de Renato Lage em 2009. Já desfilei por Beija-Flor, São Clemente, União da Ilha, Caprichosos de Pilares, Império Serrano, Mangueira…
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Nunca pela minha escola do coração. Mas sempre com o meu amor."
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