Quando eu falo que sou a favor das torcidas organizadas no futebol brasileiro, muitos me olham com espanto. "Você, uma pessoa inteligente e lúcida, é a favor das organizadas ?". Além do claro preconceito existente na frase (passível de prisão, diga-se de passagem), essa oração (que é muito mais comum do que todos pensam, diga-se) mostra o quanto as pessoas são enganadas e deixam-se enganar por uma série de fatores.
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Deixo bem claro aqui: é claro que torcedores organizados não são santos. Aliás, não existe santo numa situação tão delicada como a que atingiu essas instituições que lutam pelo bem do futebol no seu lugar mais sagrado - a arquibancada. Mas eles estão longe de ser os (únicos) culpados nessa história toda. O problema é bem maior do que a grande maioria pensa.
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Já elucidei alguns pontos aqui, e é sempre bom deixar a minha maior opinião sobre o futebol de hoje: a partir do momento que torcer para um time é, obrigatoriamente, odiar na mesma intensidade (ou com até mais afinco, às vezes) outra instituição, o conceito de esporte perdeu-se. Você não mais torce pelo seu, torce contra o do outro. Outro que trabalha, estuda e é pai de família. Há algo de errado nisso quando algo contrapõe duas pessoas com as mesmas características na sociedade.
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Pois bem, vamos aqui às minhas considerações, baseando-me, sempre, na realidade brasileira:
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As torcidas organizadas, em seu começo, foram criadas para acompanhar uma equipe em qualquer canto. E é até hoje assim, em seus princípios. Mas, bem como o montante de dinheiro investido no futebol, elas cresceram demais. Ao expandirem-se num ritmo frenético, seus novos integrantes não estão mais em sintonia com os valores da instituição como os representantes mais velhos. Hoje, ser de organizada é ser pit boy, ter fama de malvado e encrenqueiro quando se anda em bando, mas ser mais covarde que uma galinha garnizé quando sozinho, isolado e sem seus amigos cheios de anabolizantes para proteger o torcedor.
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O problema está na banalização da imagem das organizadas enquanto instituições violentas. Você já viu algum presidente de torcida organizada falando sobre os projetos sociais que a torcida faz ? Sobre seus ideais, histórias, grandes jogos... ? Apenas lembram-se das organizadas quando algo de ruim acontece. Ora, mas ela está lá quando o time joga a milhares de quilômetros de distância. É ela quem faz os gritos que todo mundo canta, dentro ou fora do estádio. Acabar com as torcidas organizadas seria, simplesmente, acabar com uma cultura secular do país, que faria o nosso futebol perder muito de sua graça por um bom tempo.
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É claro que eu sou contra quem mata outra pessoa por vestir uma camisa de cor diferente da sua. Mas eles são minorias. Não é em todo clássico que acontece algo desse tipo.
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A internet, essa maravilhosa ferramenta, também tem seu lado perverso. Com ela, é muito fácil encontrar um grupo de dementes que fiquem se batendo até a morte pra ver quem é o mais apaixonado, o mais homem, o torcedor do melhor time ou sabe-se lá o quê. Mas... ora, sabendo que a internet é quem aproxima esses boçais, algo poderia ser feito, não ?
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Tenha certeza que sim. A polícia deve fiscalizar a internet, sobretudo as redes sociais de torcidas organizadas e torcedores organizados conhecidos por serem arruaceiros. A atitude da polícia é reativa, e, assim, sempre fica em menor número ante os hooligans, não podendo fazer nada. Se se programasse, nada disso aconteceria. Mas ver a polícia, sobretudo a PM, errando não é novidade para ninguém, ainda mais em SP.
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Até por isso, mas não só por isso, acho que a PM deve ficar de fora da segurança em grandes jogos. Ver centenas de policiais destacados para os estádios e para suas imediações é um desserviço para a sociedade. Policial tem que ficar na rua, vigiando, fazendo ronda, e não correndo átras dum grupo de zé manés que se matam graças a um jogo. Imagine se todos os policiais que ficam nos arredores dos estádios estivessem em pontos conhecidos de tumulto e estações de trem, metrô e terminais rodoviários ? Todos, sejam torcedores ou civis sem envolvimento com uma partida, sentiriam-se mais seguros.
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Já passou da hora da segurança nos estádios e num entorno a ser estipulado pelas autoridades competentes ser feita por empresas particulares, bancada por preços com desconto pelas federações, a ser pago pelo clube mandante da partida. Isso é o mínimo que se pode esperar para que a paz volte a reinar no futebol nacional.
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Além dos próprios organizados e da polícia, coloco o dedo na cara de mais dois segmentos: a imprensa e os próprios clubes.
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Já falei no texto sobre entrevistas com os presidentes de organizadas - eles apenas tem espaço quando algo horrível está acontecendo, e isso é um erro grave de comunicação e desinformação. Além disso... você vê a imprensa falando o nome das torcidas ? São raros os comunicadores que falam, infelizmente. As organizadas precisam deixar de ser tabu, para seus méritos serem reconhecidos e para seus erros serem melhor julgados - sobretudo julgando os fascínoras que matam e roubam, e não generalizando isso para um grupo inteiro.
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Por fim, é lastimável ver o quanto os clubes associam-se às organizadas. Não tenho nada contra uma participação política das torcidas nos clubes (Andrés Sanchez, por exemplo, era de uma organizada do Corinthians e seu mandato fez do clube uma máquina de ganhar títulos e dinheiro - por mais que seu caráter seja questionável, pra ficar no que dá pra dizer aqui), mas deve existir uma reciprocidade entre torcedores organizados e não-organizados. Concordo que a carga de ingressos para a torcida visitante deve ficar apenas com as torcidas, mas facilitar a compra de ingressos, deixar eles participarem de festas como protagonistas e uma série de outras atitudes devem ser proibidas o quanto antes, para que o clube e os torcedores não organizados não sejam lesados e não saiam perdendo quando comparados aos que são de torcidas.
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Há muita coisa errada, isso é nítido. Mas enquanto o maior erro (o da generalização, da desinformação e do preconceito) não serem cortados pela raiz (e com urgência), todos sairão perdendo.