quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A bolha do futebol brasileiro

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Mercado superaquecido gera alguma crise posterior. Isso é quase um dogma do capitalismo. Quando Adam Smith se referia à Mão Invisível do mercado e quando ele dizia que o "o mercado não podia ter limitações pois ele mesmo se controlava", o escocês certamente se referia a isso. Exemplos práticos para essas teses do ótimo livro A Riqueza das Nações não faltam: a Crise de 1929 e a de 2008 são os dois grandes estandartes desse pensamento. 
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Por estar (bem) mais fresca na nossa memória, a Crise de 2008 é perfeita na comparação que quero fazer. Havia tanto crédito disponível naquele tempo que os bancos passaram a emprestar dinheiro até para quem não conseguia comprovar o mínimo de renda. O primeiro mercado a sofrer com essa irresponsabilidade foi o imobiliário, e todos os outros caíram no efeito dominó. O mundo todo sofreu, mais ou menos, por conta dessa situação.
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O futebol brasileiro vive a mesmíssima situação que assolou o mundo há seis anos: valores inflacionados, quantias exorbitantemente altas (tanto de lucros quanto de despesas), dinheiro saindo pelo ladrão. Como qualquer mercado, uma hora o choque de realidade virá. E, cada vez mais, acho que o tranco virá tão forte que vai causar grandes problemas. 
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Na verdade, o tranco já veio para alguns. Determinados clubes sofrem com dívidas. E não são aquelas dívidas que eram possíveis de se esconder (e seguir gastando como se não houvesse amanhã), são contas que inviabilizam qualquer projeto. 
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O Vasco sofreu um colapso a partir do segundo semestre de 2012, com rendas penhoradas e intervenção do governo em suas contas. O Botafogo, em um ano e meio, conseguiu estragar dez anos de direções austeras para mergulhar na mais funda poça de lama do futebol nacional hoje em dia. Até mesmo o Atlético Mineiro, de resultados recentes tão espetaculares, sofreu com abatimentos
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A seu jeito, cada clube tem seus problemas e parece acordar aos poucos para eles. Alguns acordaram tarde demais, mas parece que todos sabem o tamanho do buraco no qual se meteram. 
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Cada situação tem sua própria história. Os primeiros a acordar para o mercado inflacionado foram Grêmio e Internacional, que serviram de exemplo para todos os clubes país afora: passaram a lucrar com o próprio torcedor por meio de planos de associação - e, assim, diminuíram sua dependêndia da TV e passaram a ter a certeza de que teriam algum dinheiro no orçamento anual. 
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Até mesmo o São Paulo, que se orgulhava de ser uma máquina de fazer dinheiro, passou a ser deficitário. O Corinthians, clube com o marketing mais agressivo do Brasil, recentemente esbarrou em dificuldades financeiras para acertos com Tite e Paolo Guerrero - por mais que tais acertos viessem. Palmeiras e Flamengo passaram a colocar o futebol em segundo plano e tiveram como prioridade fechar as contas no azul. 
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O Cruzeiro, atual bicampeão brasileiro, apostou alto no começo de 2013. A aposta deu certo demais, mas... e se desse errado? O Fluminense tem o caso mais específico: sua parceria de quinze anos com a Unimed permitia ao clube pagar altos salários e trazer estrelas para o clube. Sem a parceria, rompida no final desse ano, como o clube ficará? Vale dizer: algumas das estrelas do time das Laranjeiras, como Darío Conca e Fred, interessam a boa parte dos clubes, mas suas pedidas salariais são irreais - salários que eram bancados pela empresa de convênios de saúde.
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Bem como qualquer crise, o aquecimento do mercado do futebol brasileiro tem seus agravantes. 
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Como dito anteriormente, o primeiro clube a sofrer seriamente com seu caixa foi o Vasco, em 2012. Não por acaso, 2012 marca o começo de uma nova era nos contratos de transmissão do futebol brasileiro. Antes, a Globo pagava a bolada para o Clube dos 13, que repassava para os clubes de acordo com seus critérios. Em 2012, pela primeira vez, o Clube dos 13 (depois de intervenção do CADE) derrubou a exclusividade da emissora e abriu o mercado para os demais canais. 
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Quem arrematou o Brasileirão foi a RedeTV!, com a inacreditável oferta de R$ 1 bilhão por três temporadas. A Globo, que nem entrou na disputa, passou a negociar de maneira individual com cada clube. O valor do contrato de vinte clubes (alguns que nem estão mais na Série A) vazou, e temos a singela quantia de R$ 1,03 bilhão - por apenas um ano. Boa parte dos jornalistas que leio trabalha com a estimativa de R$ 2,5 bilhões. Antes de 2012, esse valor era de R$ 200 milhões - novamente por três edições do Brasileirão. Um aumento de dez vezes em um valor já imenso, do dia pra noite. Mercado superaquecido é isso - e, entre 2016 e 2019, essa quantia pode até dobrar.
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Em 2013, depois de um longo tempo, os atletas acordaram para a vida e formaram o Bom Senso FC. Uma das bandeiras da entidade era a de contrapartidas para clubes que deixassem de pagar seus atletas, com multas, perda de pontos e rebaixamento imediado. A mídia deu ampla repercussão para a organização, muitos torcedores compraram a briga e o governo apoiou a iniciativa. E, claro: o 7x1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa do Mundo deixaram escancarados que tem algo errado demais no futebol brasileiro - e que o que acontece dentro das quatro linhas é apenas consequência do que ocorre fora dele. 
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Pra terminar: 2015 mal começou e já tem novos agravantes. A FIFA proibiu a repartição de direitos federativos de atletas - agora, eles terão que ter seus passes presos ao clubes. Como toda mudança aguda, trará consequências imediatas para os clubes. Se essa mudança (que acho benéfica) não vai afastar ao menos os grandes empresários do futebol (já que eles já tem clubes próprios, como a Tombense de Eduardo Uram e o Rentistas de Juan Figer), ela dificultará a situação dos tão prejudiciais agentes aliciadores de atletas. Mas, hoje, são esses agentes que ajudam os clubes a trazer atletas mais caros. 
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Por fim, a emenda que visava o parcelamento da dívida dos clubes com a União foi votada hoje. E, ao contrário do que o Bom Senso FC vinha conversando há um ano com clubes e com o próprio governo, a proposta aprovada pelo Legislativo prevê vinte anos para o pagamento dessas contas sem nenhuma contrapartida para quem não o fizer. Tudo para dar uma folga aos clubes - e fazer com que eles possam seguir gastando os tubos. 
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O dinheiro tem que ser usado de maneira racional. Se o futebol brasileiro seguir nessa toada, sabe-se lá o que pode acontecer. E nós, como torcedores e principalmente como cidadãos, temos que cobrar clubes, governos e jogadores. Não apenas para fiscalizá-los, mas para evitar que nossos amores sumam do mapa.
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