quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Perda de padrinhos, escândalo e assassinato: o rebaixamento anunciado do Atlético-GO ~ Thiago Arantes, para o ESPN.com.br

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Escrevi aqui sobre a péssima situação do Vasco e do Cruzeiro. Um outro clube, sem tanto nome quanto os dois primeiros, merece uma análise mais crítica. Esse time é o Atlético Goianiense, lanterninha isolado do Brasileirão. Mas, com muito conteúdo, o jornalista Thiago Arantes se antecipou a mim e fez esse texto sobre o tema.
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"No dia em que seria rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro, o Atlético Goianiense não jogou diante de sua torcida. Não houve choro, protestos, decepção. Em um estádio cheio de corintianos, a 200 quilômetros de casa, o clube goiano deu seu último suspiro no sonho de permanecer na elite. Um sonho que dependia de um milagre matemático. No futebol, o Atlético já havia caído.

Os protestos, o choro e a decepção ficaram distantes no espaço e no tempo. O Atlético, que saiu da Série B do Goiano para a elite nacional em cinco anos, viveu uma temporada terrível. “Deu tudo errado” foi a frase mais ouvida na sede do clube, no centro de treinamentos, em entrevistas dos jogadores e da diretoria.

Em campo, não houve dúvida: tudo deu errado, de fato. O Atlético perdeu a chance de um inédito tricampeonato goiano, contratou mal, trocou de treinador repetidas vezes, viu um jogador envolvido em caso de doping por erro médico, conviveu com uma série incomum de lesões musculares e sofreu com ciúmes no elenco por questões salariais. 

Mas a queda do Atlético Goianiense para a Série B teve, também, fatores externos. O clube, um dos que mais cresceram no futebol brasileiro nos últimos anos, teve de lidar com dificuldades financeiras, viu seu nome envolvido em um escândalo nacional e, em meio à disputa do Brasileiro, foi associado até ao assassinato de um jornalista esportivo em Goiânia.

Castelo de influências – O renascimento do Atlético Goianiense começou em 2005, quando o time teve de disputar a Série B do campeonato estadual depois de anos de penúria e de um período de inatividade. Para se reerguer, a equipe precisou de dinheiro e influência. E, desde então, sustentou-se graças ao trabalho de bastidores de um grupo de dirigentes com fortes laços políticos na Região Centro-Oeste.

Deste grupo, fizeram parte nos últimos anos o deputado federal Valdivino de Oliveira, ex-secretário da Fazenda do Distrito Federal e atual presidente do clube, o também deputado federal Jovair Arantes, candidato derrotado à prefeitura de Goiânia, o empresário Maurício Sampaio, ex-vice-presidente de futebol do clube; e, em menor escala, o ex-presidente da Câmara Municipal de Goiânia, Wladimir Garcêz.

Nos últimos dois anos, o castelo de influências e captação de recursos, sustentado desde o ressurgimento do clube, começou a ruir. E, em 2012, uma série de acontecimentos levou ao fim da estrutura de poder e influência que manteve o Atlético na elite do futebol brasileiro por três anos. 

Os padrinhos - A primeira mudança fundamental aconteceu ainda em 2009, quando Valdivino de Oliveira deixou a secretaria da Fazenda do Distrito Federal, cargo que exercia pela segunda vez, depois de uma primeira passagem entre 1999 e 2006. Em fevereiro de 2010, Valdivino foi condenado por improbidade administrativa à frente do cargo; ainda assim, ele conseguiu na justiça o direito de se candidatar a deputado federal em Goiás – com 51.237 votos, ficou como primeiro suplente do PSDB, assumindo uma vaga na Câmara ainda em janeiro de 2011.

Na Câmara, embora ainda trabalhasse em Brasília, onde construiu sua rede de influências, Valdivino perdeu parte da capacidade de captar recursos. “Como deputado, ele não tinha mais a influência para conseguir patrocinadores para o clube. Só que o Atlético continuou sem ter um departamento de marketing, dependendo desta influência para conseguir recursos”, disse ao ESPN.com.br uma pessoa ligada ao clube. 

A influência foi, também, a arma utilizada pelo deputado federal Jovair Arantes para ajudar na ascensão meteórica do clube. Mas, desde o fim de 2011, ele distanciou-se das decisões do clube para trabalhar na própria candidatura à prefeitura de Goiânia. Segundo mais votado, Jovair não conseguiu ir para o segundo turno com o atual prefeito, Paulo Garcia, que se reelegeu. 

Outra figura importante na fase de bonança do Atlético, o empresário Maurício Sampaio, que ocupava o cargo de vice-presidente de futebol, também se afastou neste ano. No fim do ano passado, Sampaio emprestou R$ 3,3 milhões ao clube, para o pagamento de premiações aos atletas – a quantia está no balanço financeiro de 2011, divulgado em abril deste ano. Segundo apurou o ESPN.com.br, o presidente Valdivino de Oliveira prometeu a Sampaio que o empréstimo seria pago assim que o Atlético recebesse os R$ 16,5 milhões a que teria direito referentes às cotas de TV. 

Entretanto, quando o dinheiro entrou nos cofres do clube, Sampaio não foi pago. O calote fez com que o diretor deixasse o clube. De acordo com pessoas ligadas ao Atlético, o ex-vice-presidente de futebol fazia polpudas doações à equipe, inclusive pagando os prêmios por vitórias. Com a má fase do time no Brasileiro e a saída do dirigente, os prêmios por vitória deixaram de ser pagos. O último “bicho” foi o da vitória por 2 a 1 sobre o líder Fluminense, em Volta Redonda, no dia 15 de setembro. 
Agência Estado

Delta e Cachoeira – Não bastasse a perda de seus padrinhos, seja por divergências ou pelo enfraquecimento da rede de influências, o Atlético Goianiense ainda teve seu nome envolvido em um escândalo nacional: a Operação Monte Carlo, que desarticulou a organização do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, respingou no clube.

Em uma das gravações obtidas pela Polícia Federal, Cachoeira conversa com Wladimir Garcêz, um de seus braços-direitos, presidente da Câmara Municipal de Goiânia e conselheiro do Atlético, sobre a transferência do meia Felipe Brisola para o clube. O jogador foi um dos destaques do Campeonato Goiano de 2011, quando defendeu a Anapolina, e chegou à equipe da capital no mesmo ano; as gravações, contudo, só foram divulgadas em abril deste ano.

A relação entre Cachoeira e Garcêz também levou a construtora Delta – maior recebedora da recursos do governo federal nos últimos anos, ligada ao grupo do contraventor – para dentro do clube. Por intermédio do conselheiro, o Atlético Goianiense fechou um patrocínio de R$ 50 mil mensais com a construtora em 2008. Até maio deste ano, quando o contrato foi rompido, a empresa estampou placas no centro de treinamentos do clube, em partidas no Serra Dourada, nos banners de entrevistas coletivas e até nos calções de treino e jogo. 

“O Carlinhos Cachoeira tinha um jogador no Atlético, sim. Ele colocou esse jogador aqui, acho que para ver se ganharia dinheiro com alguma transferência. Mas o atleta vive machucado e nunca jogou. Além disso, a Delta dava um patrocínio pequeno para o clube, coisa de 50 mil reais. Logo que estourou no escândalo, o contrato foi rompido”, disse o presidente Valdivino de Oliveira ao ESPN.com.br.

Durante entrevista recente à Rádio Difusora, de Goiânia, Valdivino foi perguntando se a prisão de Cachoeira havia prejudicado o Atlético. “Prejudicou foi o Brasil inteiro”, respondeu, rindo, antes de citar a influência do contraventor em governos e prefeituras. Opositores do presidente atleticano afirmam que o bicheiro lavou dinheiro no clube e que as colaborações dele iam muito além dos R$ 50 mil de patrocínio da Delta. Entretanto, a Justiça jamais reuniu provas que comprovassem um envolvimento mais substancial de Cachoeira com o time. 
Reprodução

Caso de polícia – Além da operação Monte Carlo, outro caso que levou o Atlético Goianiense para os holofotes longe do futebol foi o assassinato do jornalista Valério Luiz de Oliveira, no dia 5 de julho. Valério morreu após levar seis tiros quando deixava a Rádio Jornal, um dos veículos de imprensa em que trabalhava como comentarista – ele também atuava na PUC TV. 

Uma das hipóteses apontada desde o início das investigações era a de que os comentários de Valério teriam motivado o crime. Torcedor do Atlético Goianiense, o cronista tinha postura crítica quanto à administração do clube. 

No início do processo, em meio à disputa do Campeonato Brasileiro, integrantes da diretoria atleticana tiveram de prestar depoimento sobre o caso, entre eles o presidente Valdivino de Oliveira, o ex-vice-presidente de futebol Maurício Sampaio e o tenente-coronel da PM Wellington Urzeda, que ocupou o cargo de diretor de relações públicas do Atlético.

Quatro meses depois, a polícia ainda trabalha para solucionar o caso. De acordo com a delegada Adriana Ribeiro, as investigações já levaram a conclusões que permitem dizer que o jornalista foi morto por causa das opiniões que dava no rádio e na TV, em um crime caracterizado como pistolagem – uma execução previamente pensada, com trabalho executado por um profissional.

“Foram dados seis tiros e todos eles atingiram a vítima. A pessoa que matou sabia muito bem o que estava fazendo e tinha habilidade para usar armas; trabalhamos com a hipótese de que seja um policial”, explicou Adriana ao ESPN.com.br. A delegada disse, ainda, que as outras possibilidades que motivariam o crime, como vingança por traição, cobrança de dívidas por jogo ou drogas, já foram descartadas. 

De acordo com pessoas envolvidas no dia a dia do clube, a tensão gerada pelas investigações chegou aos jogadores e funcionários. Os veículos de mídia em que Valério Luiz trabalhava, que estavam proibidos de entrar no clube nas semanas anteriores à morte do jornalista, foram liberados para retomar o trabalho nas dependências do Atlético. Mas nem a Rádio Jornal nem a PUC TV voltaram, alegando que só o farão quando o clube divulgar uma carta oficial, como fez quando ambos foram vetados.

Vida que segue – Em meio a tanta turbulência fora de campo, o diretor de futebol, Adson Batista, não vê relação entre os fatores externos e o mau desempenho do time. Para ele, o time caiu pelo que fez – ou deixou de fazer – dentro de campo.

“O Atlético foi rebaixado porque deu tudo errado. Contratamos jogadores que não encaixaram no time, fizemos mudanças de treinadores que não deram certo, houve muitas lesões... Foi um ano em que nada deu certo para a gente”, afirmou o dirigente ao ESPN.com.br, na quinta-feira, antes mesmo de o Atlético estar matematicamente rebaixado. 

“O Atlético já caiu, já caiu. Vamos pensar em 2013”, disse. 

No domingo, sem choro, protestou ou decepção, o Atlético Goianiense encerrou uma passagem de 3 anos pela elite do futebol brasileiro. Foi o fim de uma fase que talvez não se repita. Foi a crônica de um rebaixamento anunciado."
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