"No comecinho dos anos 2000, o grandalhão Oliver Bierhoff era o maior - e bota maior - símbolo do então apático futebol alemão. Experiente, corpulento, de canelas longas, pouca técnica e quase nenhuma movimentação, o centroavante abusava dos seus 1,91 m para finalizar as jogadas do único jeito que sabia: pelo alto, entre os zagueiros, cabeceando firme para dentro das redes. O movimento era repetido à exaustão. Jogo a jogo.
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Na Eurocopa de 2000, na Bélgica, os alemães sentiram a limitação bater na ponta das chuteiras. Atirados em um grupo com equipes fortes - Inglaterra, Portugal e Romênia -, caíram logo na primeira fase, marcando apenas um ponto e um gol. Vexame para uma camisa tricampeã mundial, que já tinha vestido Franz Beckenbauer, Karl Rummenigge e Paul Breitner."
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Esses são os primeiros parágrafos do ótimo texto sobre a mudança ocorrida no futebol alemão na virada do milênio escrito por Guilherme Pavarin e Alexandre Versignassi para a Superinteressante. O mesmo futebol alemão que nos humilhou também teve que mudar drasticamente há cerca de quinze anos.
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A única correção ao texto: a mudança, talvez, já estava na mente de muitas pessoas. Já ouvi que ela é mais antiga, desde a eliminação nas quartas-de-final para a Bulgária, na Copa do Mundo de 1994. Também já vi que a mudança se deu com a derrota na final da Copa de 2002, para o Brasil. Seja como for, a mudança aconteceu - assim como tem que acontecer no futebol brasileiro.
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A única correção ao pensamento alemão: mudanças tem que acontecer sempre, e o ideal é que aconteçam pequenas mudanças, mas que elas sejam frequentes. De qualquer forma, a mudança alemã é definitiva e alçou a Alemanha ao centro do futebol mundial, colocando os tedescos como exemplo e parâmetro máximo. É algo tão espetacular que eu realmente recomendo que todo mundo leia o texto - linkado acima.
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Coloco uma frase do texto que é fundamental para o prosseguimento da minha ideia e do meu texto:
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"A DFB, na verdade, é tudo o que a CBF não é"
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Essa frase diz tudo - e no texto eles explicam bem. Também é interessante pontuar que transformar a CBF em uma DFB tupiniquim não seria bom. A DFB é pública, e não preciso nem dizer os vários problemas que uma estatal brasileira pode ter - pra ficar no exemplo mais latente.
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A principal diferença é cultural, ao fim e ao cabo. A DFB é pública, e o que é público na Alemanha funciona. Porque há cobrança da população; porque há o mínimo de comprometimento dos dirigentes da DFB e dos governantes do país; porque a imprensa está atenta e tem consciência; e porque há muito mais pessoas conscientes de dificuldades e virtudes do que acontece no país. Sim, temos que expandir nosso pensamento. Culpar só a CBF é uma leviandade imensa. Nós mesmos temos culpa.
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A CBF é uma entidade privada e tem seus desmandos. Pessoas que trabalham em empresas particulares podem, sim, se rebelar. Ninguém dentro da CBF faz isso. Os brasileiros em geral não fazem nenhum tipo de pressão para termos mudanças na Confederação Brasileira de Futebol, também. A instituição é privada, mas cuida de um espórte, que é público - logo, passível de todo e qualquer protesto.
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Em 2011 tivemos alguns protestos contra a CBF, exigindo a renúncia de Ricardo Teixeira. Bem, ela veio. Mas não preciso dizer que o problema era muito maior que ele. Precisamos voltar a protestar contra os desmandos cometidas por esse órgão nefasto.
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Também vale entender como funciona a a CBF - se você tem um inimigo, deve saber o modus operandi dele para derrotá-lo. As eleições para o corpo diretivo se dão entre as próprias federações e clubes. Pois bem: desde 2007 a entidade sequer tem oposição em suas eleições internas. Sim, muito disso se dá por conta de todas as dificuldades impostas pelos cartolas que estão no poder, mas ninguém se arrisca - e como não tem nenhum tipo de pressão, fica tudo na mesma situação patética de sempre, com eleições para inglês ver.
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Nos últimos tempos surgiu um movimento muito bem visto pela maioria dos que acompanham o futebol, mas que logo começou a sofrer contestações: o Bom Senso F.C. Eles tem ideias simples, mas que tornam-se revolucionárias ante o atraso no qual está inserido o futebol brasileiro. Creio, inclusive, que boa parte de suas bandeiras são as mesmas que as de qualquer um que goste de futebol. É hora de apoia-los, firmemente. Se eles estiverem errados, se algo der errado, é só contestá-los e/ou combatê-los. O que não dá é pra continuar assim.
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A pressão, diga-se de passagem, não vale apenas para a população. Se um dirigente começa a ter vários escândalos contra si e não tem um trabalho bem feito, ele será pressionado por um sem fim de pessoas: jornalistas, pessoas ligadas ao Direito, conselheiros, outros dirigentes... ele não terá sossego, simplesmente. Algo que passa longe de acontecer no Brasil.
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A FIFA proíbe terminantemente a interferência dos governos nacionais nas confederações de cada país, por uma série de fatores - e tenha certeza que manter seu quintal corrupto é uma delas. É sabido, porém, que a presidente Dilma Rousseff está em rota de colisão com a CBF - recebeu, inclusive, o Bom Senso no Palácio do Planalto. É um caso semelhante ao descrito no parágrafo anterior: podemos erras, mas temos que mudar. O que não dá é manter o continuísmo.
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O problema para tudo isso acontecer é óbvio: a CBF é poderosa demais. É muito forte politicamente e cuida do esporte hegemônico nacional. É, aliás, uma das poucas entidades que consegue driblar a tão poderosa Rede Globo de Televisão. O emblemático caso aconteceu no maior clássico sul-americano, entre Brasil e Argentina. O jogo válido pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002 foi disputado às 20h de uma quarta-feira - e não às 22h, horário tradicionalmente reservado pela Globo para o futebol. Tudo porque a emissora fez um Globo Repórter colocando Ricardo Teixeira contra a parede em seus diversos escândalos de corrupção. Acuada, a Rede Globo teve que acatar o novo horário e mexeu em sua quase intocável grande de programação para passar a peleja.
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A Globo, como se sabe, apóia sempre a seleção a níveis quase ditatoriais - repare que a relação entre a Globo e a ditadura militar está sempre presente, aliás. No já chamado Mineirazzo, nem mesmo os sempre pachecos Galvão Bueno e Walter Casagrande se controlaram. Era o descompasso completo, mas só vimos o tamanho da vergonha quando eles perderam a compostura. O que mais me revoltou na transmissão do jogo de ontem foi ouvir Casagrande falar que o Brasil nunca jogou bem na Copa, indo contra o que eles mesmos sempre falaram e contra o discurso sempre ufanista de outrora. Isso é covardia. Ir contra o que se fala anteriormente quando lhe convém é não ter honra, caráter ou culhão.
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A mídia, principalmente esportiva, precisa aletar contra o que está dando errado desde o começo, ou noticiar qualquer fato relevante para o público. A Globo não faz isso, faz apenas o que lhe convém. Cabem os protestos que eu falei acima, sempre com inteligência e para atingir a audiência da emissora.
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Por fim, olhemos para nós mesmos: desde o ano passado reconquistamos o gosto e revimos o poder que manifestações populares tem. E não fazemos nada para ajudar nossa maior paixão. Também temos culpa no cartório, sim. E precisamos mudar nossa mentalidade- não só futebolística.
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Uma das frases mais célebres de Ayrton Senna (é sempre bom falar dele) diz que "o segundo é o primeiro perdedor". Quem me conhece sabe que eu sou competitivo e concordo com essa citação. Mas eu reconheço o esforço, as capacidades e as limitações. Não desprezo a derrota, seja em qual posição eu termine. E, se o Brasil (ou o que representa o Brasil) não é campeão, nada vale. Isso é errado. A derrota faz aprender, e quem ganhou certamente aprendeu muito com as várias derrotas que já teve na vida.
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Não podemos esquecer que a seleção que passou vergonha no Mineirão neutralizou a Colômbia, discutivelmente o melhor time da Copa na média de sua trajetória. Também conseguiu controlar Croácia e Camarões e, querendo ou não, protagonizou um dos jogos mais emocionantes do Mundial ante o Chile.
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Outra: vimos o show de vários países americanos na Copa e nós cantamos a catarrenta "sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor" como se não houvesse amanhã. Não peço para torcermos mais pela Seleção do que pelos nossos clubes, mas peço para que acompanhemos os amistosos e para que torçamos em Copas América, Copa das Confederações ou qualquer outra competição que disputemos. Um outro defeito seria quase que naturalmente contornado: a torcida incentivaria no estádios, com gritos que dão vontade de gritar - e não criem antipatia de boa parte dos ~torcedores~. Aqui, ao menos, já temos o começo de uma mudança: surgiu a Banda Verde e Amarela, com cantos bacanas para embalar os jogos da seleção brasileira.
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Temos muito o que fazer, como esse texto mostrou. Vamos à luta.