Desde pequenos, estamos acostumados a falar de grandes pessoas, grandes fatos, grandes números. Estudamos grandes pessoas, grandes eventos e grandes datas. Mas a história é contada por quem venceu, e nunca porquem foi vencido. Quem venceu, historicamente, foram os brancos europeus, que colonizaram ameríndios e negros africanos. Apenas na década de 1970 do século XX que começamos a ver alguma vitória africana, durante a sua independência - mas as metrópoles européias não tinham muito interesse nesses territórios, já nesse tempo. Um nome está ligado às maiores vitórias africanas (ao menos as que os do Velho Mundo tiveram que engolir): Nelson Mandela.
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Preso em 1962, Mandela foi solto em 1990 e elegeu-se presidente da África do Sul em 1994, acabando com o regime segregacionista do apartheid - sistema no qual a minoria branca guiava o povo sul-africano, enquanto os negros observavam e eram tratados como nada.
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Essa introdução histórica é o começo do brilhante filme "Invictus", dirigido por Clint Eastwood. O exato momento da volta de Madiba (como Mandela é carinhosamente conhecido paro povo) é muito bem captado pelo diretor. O carro onde Mandela está passa por uma rua que divide um gramado onde brancos jogam rugby e uma várzea onde negros jogam futebol - cada etnia tinha om respectivo esporte como favorito. Quando o carro passa, enquanto os negros saúdam, os brancos o chamam de terrorista.
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Já presidente, Mandela convive com os ânimos hostis (como fica claro em sua própria equipe de segurança, formada por negros e brancos a pedido do presidente, com olhares mal-encarados e respostas atravessadas). Ele, embora pregue todo e qualquer tipo de perdão, vê um país dividido, com hostilidades de ambos os lados. Mais preocupado em como unir o país do que com sua agenda política ou viagens internacionais para tratar do assunto que fosse, ele encontra a solução perfeita no esporte.
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Pouco menos de um ano antes da Copa do Mundo de Rugby, os Springboks (apelido da seleção da África do Sul) estavam mal, sem perspectiva alguma de ir bem na competição da qual seriam anfitriões. Como uma metáfora de sua própria história e do próprio país, Mandela sonha em reerguer a seleção, e começa a conversar com o capitão do selecionado, François Pienaar. O presidente pede ao capitão que leve os Boks para ensinar rugby às comunidades carentes - e negras. Ao chegar no bantustão (espécie de gueto no qual os negros viviam no apartheid), o único negro da seleção, Chester Williams, é apupado, enquanto os demais, brancos africâners, são ignorados. O sincretismo só vem com o aprendizado e com o respeito que o rugby proporcionou na cena, belíssima. Pouco a pouco, os brancos iam se conscientizando de como era difícil ser negro na África do Sul pós-apartheid, e os negros passavam a gostar de conviver com seus irmãos brancos. Além disso, os Springboks voltavam a ser sul-africanos, de fato.
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Na África do Sul do apartheid, a seleção nacional de rugby era odiada pelos locais. Por representar a minoria branca que discriminava a maioria negra, eles eram vistos como anti-pátria, anti-cultura. Nos jogos no próprio país, era comum ver a seleção sul-africana com menos torcedores - a despeito do desinteresse de muitos negros pelo rugby, que preferiam o futebol. Quando Mandela assumiu o país e com os Boks em crise, cogitou-se até a mudança das cores, do emblema e do apelido da seleção nacional. Madiba fica sabendo disse e convence os presentes na reunião a mudar seu conceito - cena retratada no filme.
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A estreia da África do Sul seria contra os Wallabies, seleção da Austrália. Todos previam uma derrota, mas os Springboks, com o apoio de negros, brancos e com a presença vital de Nelson Mandela, venceu. Como o próprio nome já diz, a seleção terminou invicta e venceu a Copa do Mundo. Não fique triste porque eu te adiantei o final, simplesmente veja o filme, pois a cena mais tocante da produção está do meio pro fim da película.
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Após a vitória contra a Austrália, o capitão Pienaar leva o time para Robben Island, ilha onde Mandela ficou preso. A visita ao local foi o impulso moral que faltava aos Springboks, sobretudo para François. A cena na qual ele prende-se na antiga cela de Madiba, e imagina a vida do presidente na ilha, é tocante.
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Aliás, a cena é inteira executada com uma voz recitando o poema "Invictus", de autoria de autoria do poeta inglês William Ernest Henley, que inspirada Mandela a continuar lutando pela vida. O poema também inspirou o nome do filme, em momento de inspiração do sempre inspirado Eastwood.
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No filme, os principais atores são Morgan Freeman, que interpreta Nelson Mandela, e Matt Damon, que dá vida a François Pienaar. E vale muito a pena ser assistido, não só pela aula de esporte, história, cultura e cidadania que dá, mas pela lição de vida. God Bless Africa.