~ Antes de mais nada: foram os jogos Pan-Americanos que mostraram o potencial do Brasil no esporte olímpico. Podemos ter ficado dez outros átras dos cubanos, segundo colocados no geral, mas algumas medalhas que não vieram em esportes tradicionais do país ilustram que faltou pouco. Se viessem os esperados ouros do futebol, do handball masculino, do basquete, de Fabiana Murer no salto com vara e de Fabiana Beltrame no remo, ficaríamos a míseros três pontos da ilha de Fidel. Eles tem muito menos área, população e dinheiro, é verdade, mas seu sucesso esportivo na área olímpica é invejável, e devemos ter como meta ultrapassá-los. Faltou pouco no México.
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~ Sem muito alarde, o iatismo trouxe cinco medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze. Sem nomes de peso como Robert Scheidt, Lars e Torben Grael e Bruno Prada, o esporte não teve atenção da Record. Detalhe: sete medalhas em nove categorias do esporte, sendo cinco de ouro. Parabéns aos iatistas brasileiros, que, mesmo sem projetos e sem atenção da mídia, seguem no rumo certo.
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~ Pela primeira vez em muitos anos, a Rede Globo não transmitiu uma competição esportiva. Essa incumbência ficou com a Rede Record esse ano, e seu desempenho foi, no mínimo, de medíocre pra baixo. Gostei das informações de bastidores e das câmeras exclusivas, mas a imitação do estilo global de se narrar, cheio de ufanismo, com gritarias no que envolve o Brasil e comentários que beiram ao delirante estragaram um pouco. Isso pra não comentar da bagunça que ficou a grade horária da Record, cortando diversas vezes entre novelas e eventos esportivos. O cúmulo foi o sábado, 22, no qual a emissora não passou praticamente nenhum evento ao vivo, lotando sua grade de reprises, além de mostrar diversas medalhas ganhas pelos atletas brasileiros bem depois delas serem obtidas. Entre lados positivos e negativos, há muito o que melhorar, mas não é um projeto pra ser descartado totalmente.
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~ Poucas vezes vi tantas reclamações de organização como nesse Pan. Falta d'água na Vila Pan-Americana, arbitragens desastrosas, objetos que sumiam, falta de equipamentos, de internet, instalações controversas... aconteceu de tudo em Guadalajara. Infelizmente, tudo o que não pode ocorrer num evento desse porte, muitas vezes.
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~ Várias contusões marcaram a edição do Pan, mostrando que todos os esportes, apesar de ser ótimos aliados para uma boa saúde, também podem causar contusões sérias quando praticados profissionalmente. Joanna Maranhão fraturou o dedo, Sérgio Sasaki perdeu finais, a goleira norte-americana de futebol quebrou a perna... mas as cenas mais chocantes foram as da jogadora devôlei Jaqueline, que teve uma fratura cervical, e a de Sandra Mary Collantes, ginasta olímpica peruana que bateu a cabeça na barra de exercícios.
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~ Duas campeãs mundiais xarás decepcionaram bastante no Pan. Elas trouxeram a prata pra casa, mas... se foi ouro no mundo, porque a prata nas Américas ? Fabiana Murer perdeu para a cubana Yarisley Silva no salto com vara e Fabiana Beltrame ficou átras da norte-americana Jennifer Goldsack no remo single skiff.
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~ Sempre alvo de maior interesse dos brasileiros (por motivos históricos diversos), as delegações coletivas decepcionaram. Com exceção do vôlei, com duas medalhas de ouro (o time feminino dando o troco em Cuba, após derrota no Pan do Rio em 2007; o time masculino reserva e sem até mesmo Bernardinho que nem precisou de tie-break pra também vencer os cubanos na final), só o handball feminino trouxe o ouro pra casa. O time de handball masculino perdeu o tricampeonato para a Argentina, a seleção feminina de futebol parou novamente no quase ao tomar um gol no final da partida e perder nos pênaltis para o Canadá, o basquete feminino perdeu para a campeã Porto Rico nas semifinais e levou o bronze... e as demais foram vergonhosas. A seleção brasileira de futebol masculino ficou na primeira fase, ao perder para Cuba e Costa Rica. Pela segunda vez seguida a seleçãozinha é eliminada antes das semifinais. Já o basquete masculino, renovado após a conquista da vaga olímpica, perdeu jogos ganhos para Estados Unidos e República Dominicana e também deu adeus logo na primeira fase.
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~ Outro desempenho desastroso foi o da ginástica artística feminina. No time de Daniele Hypólito, Daiane dos Santos e cia limitada, sobraram reclamações, polêmicas, atividades e ruins e faltaram medalhas. Nem mesmo a ausência de Jade Barbosa ajuda a explicar um desempenho tão ruim das ginastas brasileiras, voltando pra casa apenas com dois bronzes.
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~ Já os ginastas brasileiros conseguiram grandes feitos. Três ouros para Diego Hypólito (dois individuais e um em equipe) e uma prata de Arthur Zanetti. Nota-se que há um projeto em desenvolvimento para os homens, ao contrário do que (não) temos com as mulheres.
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~ Eterno esporte consagrado brasileiro, o judô novamente fez um papel exemplar. Foram seis ouros e uma prata para os homens, e duas pratas e quatro bronzes para as mulheres. Ótimo resultado, mas... notou a discrepância no gênero ? Historicamente o Brasil tem deficiência de judocas femininas de ponta (sem qualquer relação com o caso Edinanci Silva), e, se isso for trabalhado, talvez tenham um esporte que seja uma verdadeira potência em competições desse naipe.
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~ Uma das histórias mais incríveis proporcionadas por esse Pan foi a do patinador Marcel Sturmer. O gaúcho teve sua roupa roubada momentos antes do embarque para o México, no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. Com a roupa (007, segundo o atleta) recuperada, ele fez provas perfeitas e conseguiu o ouro na patinação artística masculina.
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~ Pouco o que falar sobre o vôlei de praia. Duas categorias, dois ouros com Juliana e Larissa e Alison e Emanuel. O esporte é dominado por brasileiros desde os seus primórdios e é ótimo ver a hegemonia sendo mantida, com duas duplas que estão entre as maiores da história das areias. Areias que, aliás, pareciam barro em Guadalajara, em apenas mais um dos diversos erros da (des)organização do torneio.
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~ Ginástica artística, tiro esportivo, tênis de mesa, triatlo, caratê, levantamento de peso, ginástica de trampolim, luta olímpica, hipismo, canoagem, esqui aquático, badminton, nado sincronizado, squash, esgrima, boliche, saltos ornamentais e polo aquático. Quantas competições desses esportes você vê na mídia ? Pois todas essas conseguiram medalhas pro Brasil. Ou seja, falta incentivo, e não potencial dos atletas. Que tal o governo e a iniciativa privada olhar com mais carinho para os atletas de esportes olímpicos, e não só os profissionais, também os que vêem as atividades apenas como lazer ou chance de sair da criminalidade... ? Todos saem vencendo.
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~ Alguns esportes, mesmo sem atenção da mídia, decepcionaram. No pentatlo moderno, Yane Marques, ouro no Pan de 2007, ficou com a prata após deslizes nas duas últimas provas (esgrima e prova combinada). O taekwondo voltou com apenas um bronze de Márcio Venceslau, sem uma medalha sequer da grande Natália Falavigna ou de Diogo Silva, que trouxe o primeiro ouro do país em 2007.
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~ Na natação ocorre algo parecido com o que ocorre no judô, mas o caso é ainda mais emblemático. A natação feminina brasileira nunca (sim, nunca) conseguiu uma medalha dourada em Pan-Americanos. Esse ano, seis medalhas de prata e duas de bronze para as meninas. Já os homens trouxeram nada mais nada menos que dez ouros (!), três de prata e quatro de bronze. Há atletas no esporte que explicam bem o fenômeno. César Cielo, especialista em provas rápidas, é top de linha e faturou as duas provas mais rápidas da natação - 50m e 100m. Thiago Pereira tornou-se em Guadalajara o maior brasileiro detentor de medalhas de ouro Pan-Americanas - onze, ultrapassando o mesa-tenista Hugo Hoyama, com dez. Leonardo de Deus, Felipe França, Gabriel Mangabeira, Bruno Fratus e Nicholas Santos mostram que a nova geração tem futuro. Do outro lado, Joanna Maranhão vai se tornando cada vez mais um flop da natação feminina, com ares de eterna promessa que não vingou.
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~ Repetindo a dose de 2003, quando dois brasileiros venceram as provas da maratona (na época, Márcia Narloch e Vanderlei Cordeiro de Lima), Solonei da Silva e Adriana da Silva venceram a prova mais tradicional dos esportes. Solonei, ex-catador de lixo, conseguiu o tetracampeonato nacional na maratona masculina, com uma história de vida que emocionou a todos.
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~ O exemplo mais visível de que um esporte precisa aproveitar sua boa fase para colher os frutos o quanto antes é o tênis. Nos anos 60, Maria Esther Bueno foi tricampeã do torneio de Wimbledon e tetra do US Open e o esporte não teve o desenvolvimento necessário. Na virada do milênio, Gustavo Kuerten foi tricampeão de Roland Garros e vencedor do Masters de 2000, e, novamente, não houve uma geração vencedora filha de Guga. No Pan tivemos apenas um bronze, nas duplas mistas, de Ana Clara Duarte e Rogério Dutra, e uma prata, do mesmo Rogério Dutra.
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~ No quadro de medalhas, o Brasil ficou boa parte do Pan na segunda colocação, atrás apenas dos Estados Unidos. Temos, nas próximas duas edições dos Jogos, a chance de encostar e até mesmo ultrapassar Cuba, já que o desempenho geral da ilha de Fidel vem caindo desde Santo Domingo, em 2003. Na próxima edição, a tendência é que o Canadá rivalize pela segunda posição contra brasileiros e cubanos, já que o evento ocorrerá em Toronto em 2015. O Brasil é muito maior, com muito mais pessoas e com uma economia muito mais pujante que a cubana, falta apenas incentivo. Se o incentivo vier, Cuba comerá nossa poeira. Que coma !