"No caminho entre a Barra e o Pelourinho, Ciro, o taxista, me conta a história de um craque baiano. “Pepeta, não confunda com Vampeta, por favor. Pepeta foi muito melhor”, explica antes de começar a história. História banal, logo se verá. Já foi contada milhões de vezes, com nomes e datas trocadas. “Pepeta era craque, esteve perto de jogar no Flamengo, não deu certo e ficou aqui com a gente mesmo. Morreu pobre e bêbado”.
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O que me chamou a atenção foi o “aqui com a gente”. Ciro não falava da Bahia, de Salvador, de Vitória ou Bahia, o time. “Eu sou mais querido”, disse. Torcedor do Ypiranga, que também revelou André Catimba e que teve em suas fileiras Aolinário Santana, o Popó, maior craque dos anos 20, citado até em Bahia de Todos os Santos, de Jorge Amado.
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O Ypiranga está na segunda divisão e Ciro tem esperanças de acesso. No dia seguinte, coincidência ou não, enquanto eu, na Afonso Celso, tomava um creme de pinha – a maior invenção baiana desde Castro Alves - vi um torcedor com a camisa amarela e preta que imediatamente me lembrou o Peñarol. Não era. Era mais um do “mais querido”.
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Resolvi, então, também torcer pelo Ypiranga. Fui até o Wikipédia achei o Pepeta, em 1970, em uma derrota contra o Galícia. O Ypiranga jogou com Gustavo, Galo, Jorge Otávio, Dario e Hamilton, Catu e Pepeta, Belo (Reizinho), Alemão (Florisvaldo), Maromba e Esquerdinha. Bons tempos em que os jogadores não tinham nome de avenida, como hoje. Como esse time do São Paulo eliminado na Copinha, cheio de Hugos Rodrigues, Carlos Silvas, Guilhermes Correias e Mateuses Reies.
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Haver torcedores do Ypiranga, do São José de Porto Alegre, do XV de Piracicaba, do Bangu, de Aguaí, é a certeza de que o futebol brasileiro continuará movido à paixão. Enquanto alguém se lembrar de Pepeta, de Gatãozinho, de Fumaça e Toró, o futebol continuará sendo o traço cultural que nos une. Mais do que o macarrão da mamma, mais do que a ida à Igreja – qualquer que seja ela – o que se repete a todo domingo em toda cidade e vila brasileira é um jogo de futebol. Gente que sai de casa com chuteira e uniforme lavado por alguma tia para se encontrar e correr atrás de bola. Que, às vezes, ainda é o “balão de couro” dos narradores de antigamente.
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Mais do que isso. O que mantém o futebol como paixão não são esses jogadores, muitas vezes pernas-de-pau, mas os torcedores que saem de casa para vê-los. Gente que vai de carro, metrô, ônibus e a pé, para ver um ídolo jogar. Para comer uma cocada do Argemiro Doceiro (que Deus o tenha) ou um pernil de anteontem.
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Futebolisticamente falando, nada disso se compara a um Barça x Real. Sentado na poltrona, com uma cerveja gelada e vibrando com os maiores craques do mundo e ainda colocando seus comentários, em tempo real, no twitter. É a turma da poltrona. Maravilhados não apenas com os craques, mas também com os árbitros, com os campos, com a segurança. Ficam horrorizados quando na América do Sul a torcida joga papel higiênico em quem vai cobrar um escanteio, mas se esquecem das ofensas racistas contra negros e sudacos na Europa. Esquecem-se rapidamente de Jean Charles, o brasileiro assassinado pela polícia inglesa, no Metrô. Aliás, se a polícia inglesa fosse boa, teria prendido Jack, o Estripador.
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Na briga do pernil contra a poltrona, estou no primeiro time. Nada me deu mais alegria no ano passado do que ver o Santa Cruz, enfim, sair da Série D e a Portuguesa conquistar a B, além de reencontrar-se com sua torcida. É bom, muito bom, estar ao lado de gente, vibrando, cantando, ofendendo o juiz e pular na hora de um gol. Muito mais gostoso do que tuitar “Hala, Madrid” em uma vitória merengue.
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Dizem que sou xenófobo, por gostar do futebol brasileiro. Justamente eu que nem torço para a seleção brasileira e que tenho amigos em vários países do mundo. Não sou, e nem preciso explicar que não sou. Mas, se algum dia, em Aguaí, durante um bate papo sobre futebol com amigos como Cavuco, Dirceu, Povinha, Curuzu, Cidinha, Nenzo (que não está mais), Bertinho Vermeio, Passional, Taça, Rosinha, Cremilda, Toninho Trator, Zoinho, Rei Zulu, Valdirzinho, Serginho Jumento, Romuca, Azeita, Pessinão, André Coxinha, Biro Biro e outros, alguém começar a discutir se Berbatov é melhor que o Chicharito, eu verei alguém da poltrona infiltrado na turma do pernil e, como Vitor Guedes, o poeta do povo, fecharei o bloco e verei o Armagedon definitivamente instalada na Terra de Santa Cruz."