Ao longo da minha adolescência, sempre ouvi torcedores arrotando sua arrogância com as vitórias do São Paulo, celebridades são-paulinas desdenhando dos rivais e os dirigentes tricolores vociferando a plenos pulmões que torciam prum time diferenciado. Essa ladainha sempre fez parte do DNA são-paulino, cresceu nos anos 00 e na metade da década tomou proporções insuportáveis, que envergonhavam torcedores mais céticos e lúcidos, como eu. Era o time que estava na crista da onda, mas não podia tirar os pés do chão. De 2005 até 2008, com seis títulos em quatro anos era humilhante ver torcedores do São Paulo falando as maiores besteiras possíveis e envergonhando os que preferiam prever o futuro e trabalhar para que ele fosse o melhor possível.
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Com a atual escassez de títulos, tudo o que falaram é motivo para desdenhar, colocando os lunáticos em seu devido lugar. O outrora diferenciado ainda tem suas peculiaridades, mas é cada vez menos diferenciado. Com a saída de Muricy Ramalho e a nulidade em todos os aspectos que foi o ano de Ricardo Gomes no São Paulo, o time, ao contratar Paulo César Carpeggiani, entrou numa fase nova, praticamente iniciando uma era ao romper dois alicerces de Muricy: revelação de jogadores e futebol ofensivo.
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Nos quase quatro anos do pupilo de Telê, revelamos Hernanes, Jean e Breno. Com menos de um ano de Carpeggiani, o SPFC já revelou Lucas, Casemiro, Wellington, Lucas Gaúcho, Mazola e Henrique. Muricy ainda desperdiçou jogadores nos quais o clube apostava muito, como Sérgio Mota e Oscar. Um dos poucos pontos que se criticava no trabalho de Muricy era esse. O outro, ainda que em menor escala, era seu estilo único de vencer as partidas, baseado num sistema que privilegiava as bolas paradas e a retranca. Mas ao menos esse sistema dava certo, e, ao menos por mim, não será criticado. Era apenas uma estratégia.
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Com Muricy, o São Paulo precisava vender um jogador para o mercado europeu para fechar suas contas. Prezava a compra de jogadores não tão badalados e em fim de contrato, mantendo a espinha dorsal da equipe. Vendendo seus jogadores em maior quantidade, mas, ainda sim, conseguindo manter a base do time, hoje o São Paulo revela muito e gasta pouco. A receita está bem melhor e poderia estar equilibradíssima, com grande lucro, algo raro para clubes brasileiros. Poderia.
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Com dinheiro em caixa, a diretoria mudou de perfil. Antes conhecida por não gastar um tostão, os cartolas tricolores começaram a investir pesado no time. A repatriação de Luís Fabiano, as especulações acerca da contratação de Diego Forlán, a compra definitiva de Alex Silva, a chegada de Rivaldo e o elevado salário de Rogério Ceni evidenciam isso.
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Dois fatos foram determinantes para essa mudança: a briga política entre Juvenal Juvêncio e Andréz Sanches, presidentes de São Paulo e Corinthians, respectivamente, e a situação política do tricolor. E aqui começam minhas críticas.
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Juvenal Juvêncio está em seu segundo mandato contíguo. O estatuto do clube não permite que ele tenta uma nova reeleição, mas ele não quer largar a presidência. JJ, então, deu seu jeito e está com tudo engatilhado para ser, novamente, presidente. Isso lá é coisa de dirigente de clube diferente, Juvenal ? Rasgar o estatuto e fingir que nada aconteceu só pra ficar com o osso ? Cadê os dirigentes que estavam acima do bem e do mal ?
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Para suas contratações, o time do Morumbi montou um pool de empresas e empresários para banca-los. Com isso, arrenda o Morumbi, faz a camisa parecer um abadá de tantos patrocinadores ( na época " diferenciada ", a diretoria só deixava uma empresa no uniforme ) e aceita jogadores pagos por terceiros, não sabendo de onde vem esse dinheiro e nem sabendo até quando é interessante para essas empresas mante-los no time. O time diferenciado deveria deixar tudo bem mais claro e ter maior controle sobre o que em tese é seu, não ?
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Fazendo um paralelo, a situação do clube hoje em dia é muito semelhante a de outros times no começo do milênio. Muito dinheiro vindo sabe-se lá da onde, um time redondinho, que jogava bem e ganhava títulos e uma bagunça sem precedentes internamente.
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O Corinthians já se alegrou e sentiu o gosto amargo das parcerias por duas vezes. A Hicks Muse deu dois Paulistões, dois Brasileirões e uma Copa Traffic, que é tão mundial de clubes quanto o campeonato sergipano. Em contrapartida, foi o penúltimo colocado na Copa João Havelange e só não caiu pelo fato da competição ser tremendamente mal organizada e concebida num momento esbornioso da história do futebol brasileiro. Com a MSI veio mais um Brasileirão, mas a saída da empresa do Corinthians abriu uma crise sem precedentes na equipe, culminando no rebaixamento do alvinegro em 2007.
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O Palmeiras, na primeira metade da década de 90, revolucionou o futebol através de sua parceria com a Parmalat. Foram três Paulistões, uma Copa do Brasil, dois Brasileirões, uma Copa Mercosul e uma Copa dos Campeões, isso sem contar nos esquadrões formados. Porém, com a saída da multinacional italiana e do seu dinheiro, veio o rebaixamento para a série B, apenas um ano depois da falência da empresa.
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Outra empresa que veio para o Brasil a fim de investir em clubes de futebol foi a suíça ISL, que colocou dinheiro em Flamengo e Grêmio. Na gestão Edmundo Santos Silva, o rubro-negro ganhou uma Copa dos Campeões e o tricampeonato carioca com a parceria, mas escândalos de todos os tipos assolaram na equipe, que não foi rebaixada no Brasileirão de 2001 por um milagre e viu um rombo indescrítivel em seu balancete. Já o Grêmio sofreu dois anos seguidos e caiu em 2003, melancolicamente, para a série B.
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Some a tudo isso o fato de todos os times citados terem presidentes ditadores e/ou péssimos gestores de clube. Além do flamenguista Edmundo Santos Silva, residem na lista o corinthiano Alberto Dualib, o palmeirense Mustafá Contursi e o gremista Flávio Obino. Juvenal Juvêncio poderia, tranquilamente, entrar em tal hall, graças ao seu jeito midiático e nem tão inteligente assim, folclórico e representar a velha guarda do futebol nacional, que acha que um time estrelado justifica todos os meios para consegui-lo. Jeito de fazer futebol totalmente inadequado para os dias atuais.
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Voltando ao São Paulo, pensemos: enquanto esse esquadrão jogar, tudo estará perfeito. Mas... e quando ele se desfazer ? Na atual bagunça política na qual o São Paulo se encontra, isso é um perigo. Antigamente as equipes conseguiam manter seus craques por anos, mas hoje esse prazo é, muitas vezes, de apenas um semestre, quando não bi ou trimestralmente. Sequer sabemos quais empresas e quais empresários estão financiando nossa dinheirama ! Não seria mais fácil continuar investindo em jovens talentos mesclando-os com jogadores mais experientes, como atualmente fazemos ? É a fórmula perfeita para fazer um time coeso em campo e equilibrado fora dele.
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Vamos torcer pra que tudo dê certo, para que esse time jogue por muito tempo com a camisa tricolor e que, principalmente, que eu queime a língua e esteja supondo irrealidades. Mas, se algo der errado, nosso futuro é nefasto e sombrio. E nossa arrogância será engolida à seco, com muitas lágrimas.