quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Pausa para um refresco ( ou: pequena carta aos que gastam sola de sapato fazendo Jornalismo)

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Uma das máximas das redações diz que “jornalista não é notícia”.
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Mas, uma vez por ano, quando são anunciados os vencedores de prêmios jornalísticos, jornalistas mudam de lado por breves instantes: viram “notícia”.
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O locutor-que-vos-fala teve a honra de ser premiado, nesta quarta-feira, com o Prêmio Embratel de telejornalismo, pelas entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves sobre os bastidores do regime militar. As entrevistas foram ao ar na Globonews.
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Sou dos que acreditam que jornalista pode ser, também, uma espécie de arqueólogo - que revira o passado em busca de novidades. A contradição é apenas aparente: o passado pode nos surpreender com novidades,sim. Por que não ?
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Um detalhe me chamou atenção e me deixou feliz ao inspecionar a lista de finalistas do Prêmio Embratel : o júri selecionou para a grande final, em várias categorias, uma série de reportagens que mergulhavam no passado em busca de luzes.
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Lá estavam reportagens sobre a guerrilha do Araguaia ( O Estado de S.Paulo), uma série sobre ”como a censura calou a música brasileira”(Correio Braziliense), os arquivos do ex-governador Miguel Arraes ( Diário de Pernambuco) , “os espiões que viveram nas sombras dos anos de chumbo” ( Zero Hora).
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Fiquei feliz ao ver,premiadas, reportagens que envolveram obviamente um grande esforço de investigação, como os “diários secretos” – uma equipe da Gazeta do Povo e da RPCTV denunciou um caminhão de irregularidades na Assembleia Legislativa do Paraná (os repórteres: James Alberti, Kátia Brembatti, Karlos Kohlbach, Gabriel Tabatcheik). Ou a denúncia do jornal O Estado de S.Paulo sobre os atos secretos baixados pelo Senado Federal – esta, a grande vencedora da noite. Os autores: Rosa Costa, Leandro Colon, Rodrigo Rangel. Ou a reportagem que provocou o cancelamento da prova do Enem (autores: Renata Cafardo e Sérgio Pompeu). Idem com as duas matérias de denúncia sobre o Festival de Corrupção que assolou o governo do Distrito Federal: uma reportagem de Matheus Leitão, Rodrigo Haidar, Érica Killingl, Lucas Ferras, Fred Raposo, Gustavo Gantois e Priscila Borges publicada pelo site IG e outra de Andrei Meireles,Marcelo Rocha e Murilo Ramos, na revista Época. Eu poderia citar todas as outras. Todas mereceram estar ali.Porque ninguém estava ali por acaso.
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Quando vi autores de reportagens deste calibre vibrando como se fossem iniciantes, pensei, aqui, com meus velhos botões: minha tribo é esta.
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Sou insuspeito para falar porque tenho, obviamente, meus momentos de desilusão com o jornalismo ( e de abatimento profissional).
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Sempre me lembro de uma história que meu guru Joel Silveira, tido como o maior repórter brasileiro, gostava de contar. Uma vez, estava datilografando furiosamente um texto numa máquina de escrever,na redação.
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De repente, Nélson Rodrigues estacionou diante de Joel e ficou contemplando a cena em silêncio durante um bom tempo: lá estava um jornalista escrevendo um mero texto de jornal como se fosse mudar o destino da humanidade. Nélson Rodrigues limitou-se a suspirar uma palavra, antes de seguir adiante: “Patético!”.
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Joel – com quem tive o privilégio de conviver durante vinte anos que valeram por cinquenta de aprendizado – ria ao descrever esta cena. Poderia até concordar com o que Nélson Rodrigues dizia – em última instância,somos todos “patéticos” – ,mas continuava a teclar devotadamente um texto que estaria esquecido vinte e quatro horas depois. O que importava, ali, não era a transitoriedade do Jornalismo. Era a devoção – um traço que, aliás, diferencia um jornalista burocrático de um jornalista “de verdade”. Não se faz Jornalismo com tédio. Faz-se com devoção. Jornalista existe para levantar – não para derrubar – assuntos. Ponto.
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Sou um dos piores oradores que já tiveram a ventura de transitar pelo Cone Sul da América. Ainda assim, arrisquei-me a dizer umas palavras ao receber o Prêmio Embratel de telejornalismo.
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Como sempre acontece quando me vejo diante de qualquer plateia, terminei me esquecendo de metade do que gostaria de dizer.
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Agora, mando às favas todos os escrúpulos da auto-referência: é hora de falar um pouco sobre o Jornalismo.
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Sou um quase dinossauro. Tenho 54 anos. Comecei a trabalhar em redação aos dezesseis. Posso dizer que aprendi duas ou três coisas.
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Em homenagem aos colegas que suam a camisa, gastam sola de sapato na rua, atazanam os poderosos, levantam escândalos e,por fim, vibram quando são reconhecidos, publico o que tentei dizer mas não disse totalmente na hora da premiação.
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Era algo assim:
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“Toda atividade – seja qual for – precisa de um lema, uma bandeira, um slogan. O meu poderia ser qualquer outro, mas é : “Fazer jornalismo é produzir memória”. O jornalismo pode ser útil, então. Pode jogar luzes sobre o passado. Por que não? .
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É preciso ter convicção. Pois bem: posso estar errado, mas acredito que fazer jornalismo é olhar o mundo, os fatos, os personagens e as histórias com os olhos de uma criança que estivesse vendo tudo pela primeira vez; somente assim, o Jornalismo será vívido,interessante, inquieto – não este monstro burocrático,chato e cinzento que nos assusta tanto;
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fazer Jornalismo é saber que existirá sempre uma maneira atraente de contar o que se viu e ouviu;
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fazer Jornalismo é ter a certeza de que não existe assunto esgotado. Há fatos a explicar sobre 1964, por exemplo; tudo pode ser revirado: a crucificação de Jesus Cristo merece ser investigada. Por que não ? Jornalista não pode se deixar vencer pelo tédio destruidor – nunca;
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Se um estreante perguntasse, eu diria: deixe o tédio em casa. Traga a vida das ruas para a redação. Porque, em noventa e oito por cento dos casos, o que a gente vê na vida real é mais colorido e mais arrebatador do que o que se publica nos jornais ou o que se vê na TV;
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Diria também: não faça jornalismo para jornalista. Faça para o público!
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Fazer jornalismo é não praticar nunca,jamais,sob hipótese alguma, a patrulhagem ideológica. Ponto. Um general – seja quem for – deve ser ouvido com tanta atenção quanto o mais renitente dos guerrilheiros. Lugar de votar é na urna. Não é na redação;
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(eu disse ao general Newton Cruz: não quero parecer bom moço, jornalista vive procurando escândalo e declarações bombásticas, mas, como personagem jornalístico, o senhor me interessa tanto quanto Luís Carlos Prestes, a quem, aliás, entrevistei algumas vezes);
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Por fim: fazer jornalismo é desconfiar,sempre,sempre e sempre. A lição de um editor inglês vale para todos: toda vez que estiver ouvindo um personagem – seja ele um delegado de polícia, um praticante de ioga ou um astro da música – pergunte sempre a si mesmo, intimamente : por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?
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Não existe pergunta melhor”.
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Post do blog do Geneton Neto sobre o ofício do jornalista. É por essas e por outras que eu tenho certeza que nasci pra isso.
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