domingo, 5 de fevereiro de 2012

Com a sombra da política

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O mundo inteiro, fã de futebol ou não, tomou conhecimento do que houve no jogo entre Al-Masry e Al-Ahly, pelo campeonato egípcio de futebol. A vitória do Al-Masry, por 3x1, gerou uma alucinada e ignorante reação dos torcedores das águias verdes, que invadiram o campo e mataram 74 pessoas, segundo estimativas, além de deixar no mínimo duzentas pessoas feridas.
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É claro que o futebol não é o principal motivo de toda essa carnificina. Pra quem não sabe (e muita gente que não sabe quis dar pitaco no assunto), a maior rivalidade do Egito tá muito longe de ser entre Al-Masry e Al-Ahly. As duas torcidas que mais se odeiam (e que protagonizam uma das maiores rivalidades do planeta) é a existente entre os fãs de Al-Ahly e Zamalek.
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Isso não foi noticiado, mas o Zamalek jogava no instante no qual o estádio de Port Said virou campo de guerra. O jogo foi paralizado e os torcedores do clube bradavam "não queremos morrer como eles". A rivalidade não deixou de existir duma hora pra outra, eles apenas se solidarizam com quem foi tão massacrado por motivos tão distantes do esporte.
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Sobre o Al-Masry, falo mais: como um time pode fazer tanto barulho se nunca venceu a liga nacional ? O único título da equipe foi o da Copa do Egito de 1998. Na liga, a melhor campanha das águias verdes foram participações nas quais o clube terminou na terceira colocação. Esqueçam, isso não foi motivado pelo fuebol.
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O presidente do Al-Masry, Kamel Abu Ali, disse que qualquer acusação ao que aconteceu é apenas um complô para derrubar o Estado. Disse ainda que o que deveriam fazer é deixar os policiais fazer seu trabalho. Os policiais, como se vê nesse vídeo do pós-jogo, não fizeram trabalho algum. Apenas corriam, sem fazer nada de fato. Isso fica ainda mais claro se pensarmos que menos de cinquenta pessoas foram presas - ou seja, mais pessoas morreram do que foram detidas graças ao ocorrido.
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A história do Al-Masry também pode colaborar com tal caso. O clube foi fundado em 1920 na cidade de Port Said, que tinha grande influência de forças internacionais, por sua proximidade do Canal de Suez - canal que liga os mares Mediterrâneo e Vermelho, o que ajudou demais os países europeus. Al-Masry, em egípcio, significa "o egípcio". O futebol da cidade na década de 20, época da fundação do clube, era dominado por clubes de menor expressão, e todos de comunidades estrangeiras. O Al-Masry é, portanto, o ápice do nacionalismo egípcio na época da revolução egípcia contra o domínio britânico - o símbolo das águias, inclusive, remete ao formato dos pingentes de Tuthankamon.
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Hosni Mubarak, antigo ditador do Egito, foi alçado ao poder graças ao nacionalismo que é histórico do Al-Masry. A atual junta de governo militar foi favorecida pela pressão internacional, e o parlamento do país é dominado pela Irmandade Muçulmana - e isso dá a entender que os militares tentarão prorrogar ao máximo seu poder no Executivo. Pra clarear um pouco mais a ideia, a torcida do Al-Ahly deu total apoio às manifestações anti-Mubarak, não só incentivando como também marcando protestos. Eles, por exemplo, estavam na linha de frente do que ouve na praça Tahrir, símbolo da Primavera Egípcia.
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Na chamada "batalha dos camelos", nos qual partidários de Mubarak começaram a atacar a multidão na praça Tahrir, quem contra-atacou e quem venceu o episódios foram torcedores do Al-Ahly, passando por cima até da polícia. Polícia essa que, tudo leva a crer, ajudou demais o vandalismo em Port Said.
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Futebol e política por vezes se fundem, ora pra melhor, ora pra pior. No Egito isso novamente aconteceu, infelizmente da pior forma possível.
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