sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Luiza, que não tem sobrenome

>
Não preciso citar sobre quem esse post fala. Ou melhor, qual o mote e inspiração desse post - se você estava em Urano nas últimas semanas, falo da protagonista ausente desse vídeo, que tornou-se viral na internet. Entre as várias reflexões que o viral, de menos de um minuto, pode nos trazer, uma das que mais me chamou a atenção é a ausência do sobrenome da paraibana.
.
Vivemos na era do sobrenome. Muitas vezes o sobrenome diz mais do que você sobre o seu próprio nome, seja ele simples ou composto. Essa herança é burguesa e começou com a Revolução Francesa, como muita coisa da nossa atual sociedade. Mas, antes, é bacana pensar um pouco nas instituições que chamamos de sobrenomes.
.
Nas sociedades mais antigas, o sobrenome simplesmente não existia. Você não sabe se Sócrates era Silva ou Cavalcante, ou se Platão era Costa ou Bezerra. Também não sabemos se Nero era Gouveia ou Araújo, ou se Calígula era Gomes ou Tavares. Eles eram chamados apenas por seu primeiro (e único, ao que parece) nome. Queria saber como faziam quando dois Neros, por exemplo, se encontravam. Como chamar um ou outro ? Será que vieram daí os nomes compostos ou os sobrenomes ?
.
Muito tempo depois, vieram as monarquias totalitaristas e suas dinastias. Não sei se podemos considerar dinastias como um embrião do atual sobrenome, mas creio que é algo bem próximo. Era algo de sangue e que, por vezes, falava por si só - ser um Tudor, um Habsburgo, um Bragança ou um Orleans fazia a pessoa ser importante, automaticamente.
.
Como disse no começo do post, creio que o sobrenome como conhecemos hoje surgiu com a Revolução Francesa. Além da luta dos burgueses contra os aristocratas, do povo contra os monarcas, tínhamos a batalha das dinastias contra os sobrenomes. Enquanto Luís XVI, da dinastia dos Bourbon, era guilhotinado, assumia o poder Napoleão Bonaparte, sendo Bonaparte um dos sobrenomes mais famosos da história até hoje. Quem inspirou Napoleão foram pensadores que, se não são da época, são de eras muito próximas (falando historicamente, claro) e já tinham sobrenomes, como Jean-Jacques Rousseau e John Locke. Antes de Bonaparte, Oliver Cromwell, que também tinha sobrenome, conseguia aniquilar o rei Carlos I, da dinastia inglesa dos Stuart.
.
De lá pra cá, os sobrenomes foram se popularizando. Primeiro um, dois, três... pouco antes da transição entre os séculos XIX e XX, nomes imensos eram comuns em países que vivam ainda na monarquia - caso do Brasil. Por mais que os personagens dessa época guardavam resquícios das antigas dinastias, os sobrenomes tornavam-se mais comuns. Comuns e conhecidos, não que necessariamente alguém era famoso graças ao seu segundo nome. Dom Pedro I, o primeiro rei brasileiro, tinha dezessete sobrenomes, sendo alguns bem semelhantes a nomes muito comuns hoje em dia. Mas já era um indício de que, ao menos no Brasil, havia algum sincretismo entre as dinastias europeias e os sobrenomes ascendentes ao redor do planeta.
.
A quem interessar possa, o nome completo de D. Pedro I: Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon.
.
No Brasil, declarada a República, os sobrenomes ganharam vez. O primeiro presidente e autor do golpe republicano era o marechal Deodoro da Fonseca. O segundo Floriano Peixoto, e assim sucessivamente. O imperador e os aristocratas, é bem verdade, representavam sozinhas as dinastias no país, já que a sociedade era totalmente dominada já pelos sobrenomes. Com a queda do império, os sobrenomes tornaram-se, mais que majoritários, únicos.
.
Mais de um século depois, surge Luiza. Ela, que tornou-se famosa apenas pelo seu nome. Hoje, ao falar Luiza, todos sabemos que é a menina do vídeo. Mas e se gritarem por ela na rua e uma outra transeunte também chamar-se Luiza... ? Perde-se um valor da sociedade contemporânea, e isso é no mínimo interessante de ser visto.
.
É claro que esse é um caso esporádico e muito especial, mas não deixa de ser interessante. Ainda mais numa época onde ter um sobrenome garboso, uma combinação de nome e sobrenome fortes ou exóticos te dá poder. Ou ainda numa sociedade que adora relembrar sobrenomes importantes como Senna, Prestes e Veríssimo. Estes casos não são tão particulares pois já viviam na época do sobrenome antes do nome em importância, mas Luiza é de outra geração. Melhor: Luiza pode ter iniciado uma geração.
.
Virais são enjoativos e chatos, eu concordo. Mas eu gosto de vê-los como reflexos da sociedade. E esse reflexo eu ainda não tinha me dado conta.
Comentários
2 Comentários

2 comentários :

Lari Reis disse...

Sabe que você me surpreendeu, Celebrity? De todos os comentários que li na blogosfera sobre Luiza, nenhum se assemelha a essa sua análise mais sociológica do caso.

Sinceramente, prefiro nome e sobrenome e espero que Luiza não seja marco de algo novo - ou de uma retomada.s

Willian Ferreira disse...

Não sei o que prefiro, sinceramente... é algo surreal demais pra mim, ao menos por enquanto. Acabar com a ditadura dos sobrenomes me parece algo distante, ainda. Mas que foi algo diferente, e pode ter sido um começo, é inegável. Não custa tentar, na minha opinião.