segunda-feira, 28 de março de 2011

História e eternidade

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Tabus incomodam, da espécie que for. Não fazer um gol aos 34 do segundo tempo cravados há quatro rodadas na vigésima quinta jornada do campeonato incomodam qualquer torcedor. Imagine ficar onze jogos sem vencer o maior rival. Isso deprime qualquer amante de qualquer clube. E isso vinha atormentando os são-paulinos, que sempre pipocavam pro Corinthians.
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Antes do jogo ninguém queria saber quem entraria em campo, se tinha recorde pra ser alcançado, jogador que poderia virar herói, estádio ou qualquer outra coisa. Os tricolores queriam apenas ganhar. Ganhar daqueles alvinegros que eram sempre o encalço do time que vencia tudo e todos, menos aqueles todos loucos, bando de loucos. O jogo era fraco, o estádio não era o que sempre viu nossas glórias, mas aquele estádio suburbano teria que ver uma outra glória, naquele dia que tinha que ser de glória, não importa como fosse. Glória essa que parecia que não viria até o fim do primeiro tempo. Dagoberto, em sua melhor fase, fez um a zero, na frente da torcida do Corinthians. Calando aqueles maloqueiros e sofredores que, por um instante, não queriam mais se-los.
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A torcida explodiu. O jogo parecia mais seguro, mas clássicos tem sempre suas condições e cláusulas impostas pelo futebol, ainda mais quando existe um tabu para ser vencido, mesmo que tabus existam pra serem quebrados. O jogo encaminahva-se pruma vitória ( pasmem ) tranquila. Ilsinho deitava e rolava, dava dribles e fintas desconcertantes em seus marcadores. O time não jogava bem, mas tinha lampejos de bom futebol que enchiam de graça aquele subúrbio tão sem graça.
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Uma história começava a ser escrita. A história começava a mudar. A história ganharia ares de eternidade em instantes.
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Falta pro São Paulo. A torcida ouriça-se pois sabe que tem um ídolo especialista em bolas paradas. Os mais pessimistas diziam que a bola estava na esquerda demais, que Rogério nem deveria ir pra bola cobrar a falta pois poderia dar o contra-ataque num jogo fácil pro Corinthians. Ele não pensou no pior. Ele pode não pensar no pior. Ele é Rogério Ceni, isso basta. Pra ele, a bola de fato estava na esquerda demais. Quem ligava ? Os deuses do futebol queriam que Rogério Ceni entrasse pra eternidade. Os deuses do futebol queriam ver Rogério como eles.
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Aquele segundo da bola em suspensão, num movimento balístico que faz inveja a qualquer canhão inglês da primeira guerra, prendeu a respiração de todo o estádio, de todo o subúrbio, de todo o país, de todo mundo que se importa com o futebol de alguma forma. Aquele segundo e pouco, dois segundos que seja, duraram horas de agonia pra quem via o lance. A parábola da bola, perfeita, que atingiu o cume na hora certa e caiu em hora perfeita, ultrapassando o limite de qualquer equação cinemática, entrou pra história por cair no lugar que tinha que cair - dentro do gol - e tocar aonde tinha que tocar - na rede.
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Foi um momento sublime. Camisa aos céus, torcida em êxtase, elenco de ases. Pouco importava o resultado, o jogo ou o cartão amarelo que Rogério tomou do juiz. O goleiro artilheiro era agora o único goleiro artilheiro com cem gols na conta. Esse não foi o último, mas a marca alcançada é um feito. Pouco importava depois daquele instante mágico. A expulsão de Alessandro foi a cereja do bolo, e a festa foi momentaneamente interrompida com o gol de Dentinho e a expulsão de Dagoberto. Porém, o mesmo Dentinho que colocou os loucos no jogo o tirou após também ser expulso. Dali até o fim foi só festa, com direito ao antes e ainda mais agora eterno Rogério Ceni salvando um gol com o pé em cima da linha no último minuto.
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O apito final marcava o fim dum jogo histórico para a torcida são-paulina, o começo duma nova história nos clássicos pro São Paulo e a eternidade almejada e agora alcançada por Rogério Ceni. O apito final ressoou naquele estádio sem graça, mas essa partida jamais acabará para quem a viveu.
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