quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Napoleão, futebolistas franceses e a xenofobia

>
Ontem escrevi um pouco sobre o atentado à redação do Charlie Hebdo no blog. Um dos trechos dizia que "a questão islâmica na França é ainda mais delicada" que em outros locais e percebi que não tinha como comparar tão bem essa situação apresentada. Mais do que fácil, chega a ser evidente. 
.
Como boa parte das sociedade no mundo, os franceses são ingratos com quem os escolhe para viver vindo de outra região. Digo ingratos não só porquê eles os discriminam (veladamente ou não), mas porque não veem o quanto podem crescer se passassem a integrá-los, colocando-os entre seu próprio povo - o que, de fato, esses imigrantes são.
.
Parece que, para ser considerado francês, um imigrante tem que ser um fora de série; se não, é tratado como indigente. Napoleão Bonaparte é considerado francês por um mero acaso, já que a Córsega só tornou-se uma ilha francesa em 1768 - antes disso, pertencia à então República de Gênova. Na escola, ele sofria preconceito de seus colegas por conta de seu sotaque insulano. Depois, como se sabe, tornou-se talvez a maior personificação da França na história. Assim, o preconceito que viveu foi esquecido - ao menos por ele, é claro.
.
Outro herói francês é Zinedine Zidane, célebre jogador de futebol. Como tantos outros, é filho de dois argelinos. Embora nunca tenha passado por grandes dificuldades ao longo de sua vida, é interessante pensar que tantos xenófobos cultuam um filho de imigrantes do norte da África. Também é interessante pensar que o pai de Zidane já tinha uma vida minimamente confortável ao chegar na França (ao contrário da grande maioria de seus semelhantes), e que isso possa ter ajudado a família a não ter grandes problemas na França.
.
Uma das celebridades que mais jogam luz à xenofobia na França é outro jogador de futebol. Karim Benzema não canta a Marselhesa por conta do verso "Qu'un sang impur abreuve nos sillon" ("Que um sangue impuro banhe o nosso solo", em português), que na leitura de muitos hoje em dia faz referência à presença de imigrantes no país - leitura tão estúpida que se esquece que, em 1792, a França vivia sitiada sob vários exércitos estrangeiros. A atitude de Benzema (e de outros tantos atletas) causa revolta nos franceses mais conservadores. 
.
Sobre essa situação, Benzema tem uma frase genial: "Se eu cantar o hino, não significa que vou marcar três gols. E se eu não cantar, mas quando o jogo começar, fizer três gols, não acho que alguém vá dizer que eu não cantei a Marselhesa. Ninguém vai me obrigar a cantar. Mesmo alguns torcedores não cantam. Zidane, por exemplo, não cantava necessariamente. E há outros".
.
Perfeito. E cabem mais citações aqui: a mulher de Franck Ribéry é argelina, e o atleta não faz força nenhuma para cantar a Marselhesa; Christian Karembeu nasceu na Nova Caledônia e também não canta um verso do hino nacional francês. Até mesmo o 100% francês Michel Platini (hoje presidente da UEFA) vem de uma geração na qual ninguém entoava a canção-máter gaulesa. Isso faz de cada um deles menos craque? Pior: faz de cada um deles alguém que não mereça respeito?
.
Não dá pra entender quem seja contra a presença de estrangeiros. Todos, assim como os xenófobos, querem uma vida melhor. E nunca é demais lembrar que os Estados Unidos, maior potência econômica mundial, é o país que mais recebeu imigrantes na história. Atualmente, também chama a atenção a forte presença de turcos que tentam a vida na Alemanha - a ponto de, em uma partida entre as duas seleções em Berlim, quarenta mil turcos marcarem presença no Olímpico de Berlim; ouça as vaias dos turcos enquanto os alemães trocam passes. Um país só tem a ganhar com imigrantes, e a própria presença deles indica que esse país está no caminho certo. 
.
Não foram os muçulmanos que atacaram o Charlie Hebdo. Foi o Estado Islâmico, um flagelo desse grupo étnico muito maior. Se for assim, os cristãos também são assassinos por culpa das Cruzadas. Isso corresponde à realidade?
.
Felizmente não moramos em uma aldeia, e devemos combater quem acha que quem nasce do outro lado de uma fronteira é inferior ou não merece ser feliz em nosso chão.
Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário :