É sempre complicado falar de superlativos. Mais complicado ainda nomear uma pessoa que simbolize o supra-sumo, o melhor que já se viu em qualquer aspecto. Memória, consciência, discernimento e razão são necessários para se definir o melhor em qualquer coisa. Mas, em alguns casos, não é encessário hesitar muito. São ocasiões nas quais o melhor é tão destacado e marcante que não restam dúvidas, e compará-lo é uma verdadeira heresia. O caso de Ronaldo é um desses.
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Ele sempre foi o melhor, pra mim. Me aproximei do futebol em 1998, ano de Copa. Copa que a França pode ter ganho, mas, na verdade, foi a Copa do Fenômeno. Seja pelos gols, pelas jogadas ou pela convulsão na final, durante a competição como um todo foi ele quem dominou as manchetes e a bola. Seus gols contra o Marrocos e contra a Holanda ficaram marcados na minha memória duma maneira especial, coisa de menino de 6 anos que se maravilha com tudo, ainda mais com um jogador de tal magnitude descobrindo a magia da seleção.
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Passei a acompanhar mais de perto a carreira daquele careca bom de bola. Fiquei triste ao saber de sua contusão contra o Lecce, e agonizei ao ver o lance contra a Lazio na qual seu ligamento ganha vida e salta pra fora do corpo. Via as lágrimas e o drama daquele jogador tão espetacular e perguntava se ele poderia voltar a andar, assustado. Pensei que sua carreira tornaria-se parte do passado. Não só eu, como qualquer um que viu tal lance.
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Ele deu a volta por cima. Com os dois joelhos operados e com a eterna sombra do mistério no jogo contra a França, comandou a equipe campeã do mundo em 2002, Copa que acompanhei mais de perto. Lembro do pênalti e do gol de bico contra a Turquia e, claro, dos dois gols marcados na final contra a Alemanha, jogo de doce recordação pra mim. Ronaldo era aplaudido por todos e celebrado como um exemplo de volta por cima. Seus joelhos voltaram a ziguezaguear sem ceder, aplaudindo seu dono a cada lance.
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O vi no Real Madrid. Vi seus primeiros gols contra o Alavés, vi o histórico hat-trick dele contra o Manchester United, o vi ser vaiado pela torcida do Barcelona... vi a história sendo escrita, e não sendo contada. O vi também no Milan, no qual teve mais uma grave lesão, e, novamente, todos pensaram que ele iria se aposentar. Ele foi pra Copa e tornou-se o maior artilheiro da competição. Comemorava todos os gols, mas os de Ronaldo sempre tiveram um cunho especial pra mim. Uma aura celestial de quem sempre teve muita torcida, mas não tinha o crivo do corpo. Cada jogada era um recomeço, a consolidação duma volta por cima eterna e dada cotidianamente.
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Veio pro Corinthians. Lembro do Derby de Presidente Prudente, no qual ele deixou o dele. Foi a quarta, quinta volta por cima heróica, imprevisível e consagradora. Não havia como duvidar de quem já teve tantos contratempos, lutou e superou todos os problemas que lhe apareceram.
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À despeito de ser craque, o maior legado de Ronaldo não é o futebol. É o espírito de fênix, a bíblica história de quem, no auge, teve que recomeçar do zero, e conseguiu isso. Descobri ter diabetes no mesmo dia em que Ronaldo contundiu o joelho pela segunda vez e todos o davam sua carreira como encerrada, tal qual eu pensava como iria sobreviver sem doces. Dois anos depois, ao ve-lo com seu novo penteado fazendo dois gols e fazendo um país inteiro vibrar, percebi que eu também poderia parar, respirar e me reerguer, caso tivesse força de vontade. Eu tive. Nós tivemos.
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Ronaldo é o meu maior exemplo de garra, superação e força de vontade, não só dentro como fora de campo. Ao saber que jamais o verei atuando de novo, me entristeço, mas, instantaneamente, me alegro ao lembrar de ter visto a história mais encantadora que o futebol já produziu.