A afirmação do título desse texto pode parecer piada pra quem tem o mínimo de discernimento, e, na realidade, é mesmo. Mas, no eterno país do futuro, ela tem que ser lembrada, e exaustivamente lembrada, para as autoridades competentes. No Brasil, bombeiro é bandido. E alguns " vândalos " na corporação vermelha serviram de desculpa para um dos episódios mais inacreditáveis da história recente do país.
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Na madrugada de sexta para sábado, alguns bombeiros invadiram o quartel central dos bombeiros, no Rio de Janeiro, para manifestar contra os baixos salários que eles recebem do governo. A palavra invasão, veiculada pela mídia, é forte demais. A construção - bela e imponente, palavra de quem já a viu de perto - é um prédio público, no qual todos tem acesso - ou, ao menos, deveriam. Não tem como invadir um prédio público, começa por aí. Muito menos quando quem " invade " são trabalhadores que labutam no local. E, certamente, os " vândalos invasores " tinham o apoio dos bombeiros que estavam no prédio. Ninguém foi expulso a pontapés, pelo contrário: a adesão por parte de quem estava de plantão no quartel deve ter sido grande, como provam as fotos.
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O mais chocante não é o movimento de trabalhadores que ganham pouco - os que trabalham na EMTU e na CPTM que o digam -, mas sim a truculência com que o governo do Rio tratou os fardados. O governador Sérgio Cabral mandou o BOPE entrar no prédio. Repare que ao falar da entrada do BOPE, fala-se em entrada, e não em invasão, como é de desejo do governo.
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Sim, o BOPE. A tropa de elite da polícia carioca, a que entra de caveirão na favela, a que não perde a chance de matar meliantes - com razão -, a que não tem dó de quem não teve dó. Os caveiras entraram no quartel para bater e humilhar pessoas que tem como função salvar vidas, controlar o fogo ou realizar salvamentos de bebês pelo telefone.
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É evidente o abuso de poder do governador Sérgio Cabral, ainda mais se contextualizarmos os últimos meses da polícia militar da cidade maravilhosa. No fim do ano passado a PM instalou a Unidade de Polícia Pacificadora ( UPP ) na Vila Cruzeiro, e, dias depois, expulsou os traficantes do Morro do Alemão, um dos antros do tráfico de drogas na cidade. Em Abril, o fatídico massacre do Realengo terminou após o sargento Márcio Alves atirar no franco-atirador Wellington de Oliveira, forçando o suicídio do mesmo. A PM estava em alta, com o governo, com os cariocas, com o Brasil. Para não ser chamado de truculento ou qualquer outra coisa do gênero, Sérgio Cabral mandou que os " heróis " da PM entrassem chutando tudo e todos os " vândalos " da corporação encarnada.
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Foi um ato estratégico. Político tem sempre uma imagem negativa com a população. A PM estava em alta. O governo, por meio da PM, humilhou e prendeu os bombeiros. Sim, prendeu. Traficantes, ladrões e sequestradores eram expectadores daquela cena patética, já que quem deveria persegui-los marcava o cacetete nas costas dos homens que salvam, enquanto os que matam estavam mais tranquilos, sem policiais para algema-los.
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Ao invés de oferecer melhores salários para os bombeiros - que devem ganhar, além de uma imensa remuneração mensal, uma medelha de honra ao mérito por serviços prestados para a sociedade, por motivos óbvios -, o governador prefere chamar alguns de vândalos, por protestar por melhores condições de trabalho, sendo que o protesto não teve uma bala atirada, um grito de ordem, nenhum tipo de revolução, teve fins e meios totalmente pacíficos e por fazer algo que todo cidadão deve fazer quando achar que algo está errado: protestar.
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A cidade maravilhosa, aliás, investe de maneira pesada na reformulação do Maracanã para a Copa do Mundo e em todos os investimentos necessários para atender os turistas, como transporte coletivo e melhorias nas áreas de saúde e de hotelaria. Por mais que tudo isso seja importante, não há uma boa cidade para se viver ou hospedar sem a segurança humana ue o corpo de Bombeiros traz.
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Governador, pare de remodelar o Maracanã, a Cidade do Rock ou o que quer que seja. Os bombeiros merecem mais. E a sociedade os merece.