A seleção argentina é uma gigante adormecida. Desde quando Maradona se aposentou da albiceleste, em 1994, o selecionado não conseguiu vencer um título sequer. São 18 anos de fila, uma maioridade ingrata e que, por mais que tenha-se um time fortíssimo e tradição indiscutível, não consegue ser superada. Várias são as teorias para tentar explicar isso, e ontem um filósofo deu a sua no Tá Na Área, programa do SporTV.
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Ele, claro, começou sua explicação por Maradona. Com ele, a Argentina era a melhor seleção do planeta ( mesmo ganhando só a Copa de 1986, Diego já era jogador profissional em 1978, ano do primeiro título mundial do país ) e Diego não era apenas um jogador desse time, nem somente o melhor, ou o craque do futebol no país. Era muito mais que isso. Era um ícone político, cultural e social dum país que vivia profundas transformações em todas as áreas, que saia duma ditadura violentíssima e buscava uma democracia, que via a Inglaterra com um ódio mortal e via sua seleção lavar a alma duma nação inteira ao fazer dois gols antológicos na Copa ( um de mão, claramente ilegal, que para os argentinos é muito mais que um gol, é o troco de tamanhas injustiças que os bretões fizeram contra a Argentina; e o outro na mais pura técnica do genial jogador, que levou o time inteiro desde o meio campo e fez o gol mais bonito da história das Copas ).
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Maradona sempre foi identificado com o país e com a seleção. Sempre foi visto em Buenos Aires, sempre declarou-se torcedor fanático do Boca Juniors, jamais negou ajuda ao seu primeiro clube ( o Argentinos Juniors, de pequena tradição ante Boca, River e Independiente, por exemplo ), e sempre ajudou quem quisesse, sem se preocupar em fazer média com uns e outros. Sempre foi ele mesmo, defendendo o que achava justo. Levou uma Argentina desacreditada à Copa de 2010, e fez uma campanha condizente com o que tinha em mãos. Não venceu, mas não teve sua aura santa ( santa mesmo, basta lembrar que Maradona tem uma igreja em sua homenagem, com seguidores, bíblia e tudo mais ) arranhada com o episódio nem após quase morrer de overdose, em 2004.
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A vida de Maradona confunde-se com a da Argentina desde a década de 70. Ao ver o camisa 10 fora dos gramados, o país começou a sofrer a pior época do governo Menem. E, em campo, todo enganche ( nome dado na Argentina ao meia de ligação brasileiro ou ao trequartista italiano ) sofria com as comparações ao ídolo. Dessa forma, vários ótimos nomes foram queimados, como Aimar, Saviola, Ortega, Gallardo, d'Alessandro e Romagnoli. Até que surgiu Messi.
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Não tinha como dar errado. Tinha uma categoria fora do comum, bom caráter, não se metia em polêmicas e já era considerado o melhor do mundo.
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Mas ele não era Maradona. Messi, embora argentino, foi para a Espanha muito cedo, e sua identificação com o país beira ao zero. Muitos notam que La Pulguita sequer canta o hino nacional, por não saber ou por não ligar para isso. Se ele de fato vivesse a Argentina, se ressentiria com a morte de Néstor Kirchner ou daria apoio aos panelaços de 2001, que tirou Fernando de la Rúa do poder. Messi nada fez, pois era muito mais europeu que sul-americano. Era não, é.
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A Copa América mostra isso. Mais que não cantar o hino, Messi não parece aquele que faz milagres com o mágico Barcelona. Em campo, taticamente, ele sente demais a falta meio-campistas de sua qualidade, já que Busquest, Iniesta e Xavi não são Banega e Rojo. Mas é muito mais que isso. Maradona colocaria a boca no trombone e criticaria o técnico. Messi se cala sabendo que sua opinião seria respeitada, já que Sérgio Batista mostra ser um técnico fraco. Messi sequer tenta suas arrancadas fenomenais ou suas assistências incríveis. Na seleção, Lionel torna-se comum. Torna-se um espanhol com a camisa da Argentina.
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Após dois empates na Copa América realizada na Argentina, contra Colômbia e Bolívia ( ! ), vê-se que Messi terá que absorver a cultura argentina se quiser lembrar o Messi do Barça. O ambiente é desfavorável e hostil pois os argentinos o acham querido, e não um deus na Terra. Os argentinos querem gostar de Messi, enquanto Maradona é a síntese do país nos últimos 40 anos.
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No último jogo, ante a Colômbia, via-se uma faixa que dizia que Messi é humano. Ou seja, ele pode errar e o país o perdoa, o que é positivo. Mas ela também quer dizer que Messi jamais será Maradona, mais que um humano.